A Frogwares consegue lançar este jogo, apesar da guerra que deflagra injustamente no seu país. Um ano conturbado de desenvolvimento, numa franquia que tem tratada com o maior carinho e cuidado, evitando desvirtuar a essência do que Arthur Conan Doyle escreveu. Sherlock é um personagem complexo, cheio de ramificações mentais nefastas que a sua capacidade quase sobre-humana lhe traz. Não há dom sem consequências.
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Sim, é um remake. Mas pelo que me foi possível perceber, apenas a sua narrativa ficou de pé e tudo o resto foi reconstruído, redimensionado e melhorado, aproximando-o do jogo anterior lançado.
Dito isto, siga com a análise. Com olho clínico, sinapses a borbulhar e HP Lovecraft a inspirar.
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Do jornal desaparecido a Cthulhu!
A Frogwares, que tem tratado com bastante dignidade a franquia dedicada ao mais icónico dos investigadores criminais e ao seu colega espirituoso, arriscou-se neste remake de um jogo de 2007, pegando nele e transformando-o numa sequela não direta do anterior Sherlock Holmes: Chapter One. Tudo começa com um tom calmo e chuvoso, tipicamente britânico, na procura incessante de um jornal diário que aparece amarrotado num balde e com um espinho, que Sherlock interpreta logo como uma tentativa de envenenamento. Embora mais adulto do que no jogo anterior, este anti-herói permanece com um intelecto indecifrável, mas capaz de resolver o mais intrincado dos crimes. O problema é que isso tem um custo para o mesmo: Sherlock é alguém com uma problemática mental decorrente do seu exaustivo compromisso com a resolução de um puzzle e isso afeta o seu comportamento, relações com os outros e falta de empatia.
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Este jornal desaparecido e a teoria de conspiração leva a que se dê início ao tutorial dos vários processos que têm de decorrer para um crime ser resolvido e arrumado. Há que apresentar provas, interrogar suspeitos e testemunhas e investigar a cena do crime. E é aqui que Sherlock Holmes: The Awakened mais brilha, pois qualquer um de nós se vai sentir um investigador de primeira água. Usando o R1, entramos no modo de Concentração, onde ficam visíveis pequenos pormenores que não se conseguiam ver. Depois de recolhidas as provas, entramos na mente imaginativa de Sherlock, representada por sinapses que podemos ligar, para recrear aquilo que que pensamos ter acontecido e fazer a correta dedução.
O pensamento em diferentes escalas mentais é imperativo neste jogo. Escolher aquela que se acha ser a prova principal ou até perguntar algo a uma transeunte que passa na rua, tem um grau de subjetividade que nos faz voltar a cada cena de crime para que tenhamos a certeza que nada nos escape e nos permita inferir com exatidão.
Como se isto não pudesse ser já assoberbante, temos ainda o Palácio da Mente de Sherlock, onde o mesmo vai fazendo questões sobre os casos. Selecionamos uma pergunta que queremos ver respondida e anexamos ao mesmo diferentes itens, documentos e observações. Prometo-vos que este não é um trabalho de arquivamento bafiento. Tudo tem que estar corretamente ligado, pois se isso não for possível, é porque ainda há mais investigação para fazer… E este é talvez o ponto mais complexo da obra: tanta minúcia não será para todos e a inexistência de qualquer tipo de ajuda neste começo de jogo cheio de mecânicas, teclas, atalhos e ligações podem levar a que muitos casos fiquem por deslindar. Um tutorial que nada ensina. Para que serve então um tutorial?
Love(craft) em todo o mundo!
Muitas são as localizações mundiais em que Sherlock e Watson tentam com argúcia interpretar crimes. Na inevitável e chuvosa Londres onde tudo começa, mas Suiça, Nova Orleães e outros são também destinos explorados, cada um com experiências pessoais e atmosferas muito próprias. Isto torna cada novo capítulo como uma bem-vinda lufada de ar fresco depois de tantos escarafunchanços de cérebro. Algo que parece manter-se transversal a todos estes novos mundos dentro do mundo são os NPC’s e as suas frases batidas e repetidas até à exaustão. Bem sabemos que não podemos retirar informação de todos eles, mas a forma como nos respondem faz com que lhes queira mudar o nome para NPS’s – Non Playable Snobs.
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Mas os nossos protagonistas visitam também localizações saídas da inspiração fantasiosa dos mundos de HP Lovecraft que o jogo original introduz, onde a física e a lógica parecem não se aplicar. Isto é feito de forma inteligente, contrapondo todas as regras mentais que nos são exigidas para poder avançar no jogo. Baseados em puzzles bem executados que exigem bastante pensamento lateral, são desafios diferentes daqueles que as missões normais nos pedem e ajudam-nos a desanuviar do ambiente mais pesado e formal que as caracterizam. É neste ponto que as referências ao mestre pouco reconhecido do género de terror são decalcadas de alguns momentos das suas obras, sendo uma justa homenagem a um dos mais desvalorizados escritores do século XX.
Escuta. Vê. Mas vê mais do que escutas, OK?
Sherlock Holmes: The Awakened pode ser desafiante e considerado por alguns como uma obra de nicho, mas é ao mesmo tempo, um jogo visualmente muito bem realizado. Todos os diversos ambientes são retratados de forma incrível e com as animações a roçar a perfeição, dando até a impressão de estarmos a ver um qualquer filme de época. Tenho que dar destaque às pessoas retratadas, sejam NPS’s ou mais centrais à narrativa, que alcançam ares quase imaculados. Excetuando os cabelos, que por vezes parecem ter vida própria, e as bocas, que parecem não dizer nada daquilo que ouvimos, mas isso são apenas pormenores que não deterioram a imersão cinematográfica.
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A sonoplastia não brilha, mas tenta acompanhar um mundo grandioso vivido em diversas culturas. Torna-se mais interessante e com um toque de thriller em certos momentos, mas nada de resplandecente e fica no pano de fundo deixando o que vemos brilhar.
Considerações finais
Sherlock Holmes: The Awakened não é meramente um remake. Embora possa ser a definição para quem não se debruça de cabeça nesta espiral de crime, horror e interpretações mentais, podemos considerá-lo como uma ótima transformação. Mistérios complicados de deslindar, muita investigação, tentativa e erro. A relação entre os protagonistas é de um picar constante, que nos estimula a argúcia e faz sorrir.
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O facto de não haver qualquer tipo de ajuda podia ser um fator que precipitaria rapidamente o jogador para largar o comando, mas assim não sentiríamos aquela sensação de orgulho quando conseguimos alcançar um dos objetivos. Senti-me mesmo inteligente, possas!
O lado mítico parece aqui metido a martelo, mas a ligação entre o mundo do que faz sentido e do que não cria, entre ambos, um laço estranhamente forte, fazendo-nos sentir a falta de um quando o outro se evidencia.
Sherlock Holmes: The Awakened honra o seu escritor, produtores e todos os envolvidos na sua criação. E volta a mostrar a fragilidade da mente humana, por mais desperta que esteja para o mundo em sua volta. A saúde mental é importante e é posta aqui em destaque.
Sherlock Holmes: The Awakened é o remake que ninguém sabia que precisava. Mas sim, é preciso. Elementar, caro leitor.
NR.: A análise a Sherlock Holmes: The Awakened foi realizada numa PlayStation 5 com acesso a uma cópia do jogo cedida pela Wire Tap Media