De uma forma geral, as obras inspiradas em culturas orientais, com especial enfâse no folclore chinês e japonês, apostam numa representação séria e com base em valores de honra, disciplina e serenidade. Os polacos da Flying Wild Hog, em conjunto com a Devolver Digital, acabam de mostrar ao mundo, pela terceira vez, uma visão em total discordância com esse paradigma através de Shadow Warrior 3, o título que encerra uma trilogia marcada por ação desenfreada, onde Katanas e caçadeiras se alternam na matança de demónios, e um protagonista dotado de uma bússola moral dúbia e ambígua.
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Shadow Warrior 3, que na verdade é uma série que data de 1997, é um FPS frenético, assente em mecânicas old school em que o objetivo é enviar demónios, cada um mais asqueroso que o outro, de volta aos confins do inferno de onde vieram. A Flying Wild Hog optou por uma campanha linear, quase totalmente focada na ação e aligeirou o sistema de progressão. Em sentido de analogia, Shadow Warrior 3 é como um Ninja que apenas vemos no campo de combate, a derramar sangue e a exibir as suas técnicas. Não há espaço para a meditação que precede a batalha, para o polimento da sua armadura, nem para um passeio na sua fiel montada.
Lo Wang tenta recuperar o seu “mojo”
Eis Lo Wang, um indivíduo atirado para um poço de depressão após ter solto um malvado dragão ancestral que trouxe a ruína ao mundo. Sem grandes perspectivas, só lhe resta aliar-se ao seu arqui-inimigo e encontrar uma forma de acabar com a criatura de tamanho suficiente para engolir um arranha-céus. É mais ou menos esta linha que definirá o enredo e sejamos claros, a história aqui é secundária e herde aquela escrita banal e repleta de piadas grosseiras típicas dos videojogos dos anos 90, havendo uma semelhança lancinante com Duke Nukem, curiosamente desenvolvido pela mesma equipa do Shadow Warrior original. Lo Wang tem uma infame carreira de assassino a soldo mas no fundo o seu sonho é abrir uma loja de banda desenhada, o que explica as suas piadas foleiras referentes à cultura popular. A reação às piadas varia entre um revirar de olhos e um semi-sorriso tímido, havendo ocasionalmente momentos mais engraçados. Pelo menos é um jogo bem-disposto.
A simplicidade da chacina
A estrutura do jogo é bem definida e não se afasta dos moldes que apresenta nos minutos iniciais. De design linear, os níveis dividem-se por pequenas áreas, que mais se sentem como arenas. Os inimigos vão aparecendo num fluxo constante e para além da Katana Dragontail bastante útil para os demónios mais pequenos, o jogador conta com um arsenal de armas de fogo sólido. Há o típico armamento, como o revolver, a caçadeira e as metralhadoras mas também se vão desbloqueando armas mais peculiares ao longo da campanha. Alguns exemplos são o lançador de Shuriken e o The Basilisk, uma arma que dispara um projétil de energia. É um divertimento avassalador utilizar cada uma das armas. Há uma sensação de impacto, uma vez que os camafeus demoníacos rebentam numa explosão de sangue e entranhas. Tanto a longo como a curto alcance, todas as armas revelam utilidade.
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É possível e recomendável melhorar as armas, bem como a saúde do personagem, entre outros parâmetros. Para o fazer precisam de recolher esferas, que tanto podem ser encontradas nos cenários, como podem ser ganhas a partir de desafios. Eliminar X inimigos com X armas é uma das maneiras de adquirir mais esferas. Mesmo tendo um sistema de progressão simplificado, é uma pena não existir um modo New Game Plus, o que significa que todos os upgrades ficam nulos se quiserem repetir a campanha.
Existe também a possibilidade de enfraquecer certos adversários e aplicar um finisher. Alguns dão acesso a armas pouco convencionais, como uma broca ou um lançador de fogo de artifício.
Não é apenas do arsenal que o jogador depende. A verticalidade aplica-se aos cenários através do gancho e dos movimentos acrobáticos de Lo Wang. O salto duplo e o dash proporcionam uma grande mobilidade e o gancho permite uma mudança de ritmo na ação frenética. De forma a intercalar o núcleo do jogo, há leves seções de plataformas. O jogador pode deslizar por colinas, correr por paredes e fazer um dash em pleno ar para atravessar cenários mais irregulares. Sem serem os segmentos mais polidos do mundo, divertem e permitem algum tempo para respirar fundo e voltar à carnificina.
Preso a gerações idas
A nível de produção, Shadow Warrior 3 oscila entre o competente e o datado. Há paisagens apelativas, ao evidenciarem montanhas constituídas por imponentes templos e estátuas. Os tons encarnados e esverdeados produzem bons resultados em transportar o jogador a um país oriental. Por outro lado, a qualidade das texturas de certos materiais não é a melhor e as cutscenes também pecam pela qualidade oscilante. Embora a fluidez e o aspecto decente da jogabilidade seja satisfatório, o jogo é uma produção de geração anterior e nem sequer é dos melhores exemplos daquilo que se fez por lá.
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Sendo um jogo curto que não deverá exceder a meia dúzia de horas, é difícil de afastar o sentimento de repetição. Os cenários dão a sensação de que já lá estivemos antes meia-hora antes, apesar de tecnicamente serem novos. Os inimigos, apesar de haver um conjunto respeitável de diferentes demónios, também se repetem por culpa da estrutura, em que várias waves de malfeitores aparecem no mesmo sítio. Para o e para o mal, Shadow Warrior 3 incorpora a filosofia dos FPS mais antigos.
Considerações Finais
Entre tantas opções do género que cada vez mais adicionam elementos de RPG e mundos abertos e complexos, Shadow Warrior 3 rejeita tudo isso e apresenta uma experiência curta, linear e centrada numa jogabilidade acelerada. É um título que não se leva a sério e apercebe-se do próprio ridículo, não sendo raras as vezes que Lo Wang brinca com as circunstâncias insólitas que só um jogo descomprometido como este pode produzir.
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Certamente não lhe faria mal mais brio nos valores de produção e um maior risco criativo no design de níveis e inimigos. Ainda assim, a falta de divertimento não será um problema neste Shadow Warrior 3, que se afirma como um FPS decente.
N.R.: A análise a Shadow Warrior 3 foi realizada numa PlayStation 5 com acesso a uma cópia do jogo cedida pela Cosmocover.