Saints Row – Análise

A intenção da saga Saints Row sempre foi rivalizar com Grand Theft Auto. O monstro da Rockstar mantém-se sóbrio e real, sempre com alguém que sobe a pulso no mundo do crime e isso tornou-se muito apelativo, fazendo com que o seu sucedâneo da Volition enveredasse por outros caminhos menos realistas, com aliens, viagens ao Inferno e dildos gigantes como armas a cada nova iteração.

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Esta edição de 2022 de Saints Row volta ao início, tentando recuperar a alma perdida no meio de piadas sexistas e explosões incríveis.

Assim sendo, esta análise concentra-se em três dias de jogo ininterrupto, totalizando vinte e duas horas de criação de personagens bizarras, condução frenética a alta velocidade, uma estória com missões estonteantes e com muito para fazer de forma secundária, como se de um trabalho entediante se tratasse. Vamos a isto, que preciso de descansar…

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Dia 1 (7 horas) “Este eu não se parece comigo”

Após conhecermos os nossos companheiros de aventura: Kevin e Neenah, dissidentes de gangs da cidade, e Eli, que é o cromo dos números, somos convidados a criar a nossa personagem. Podemos ter sotaque do Texas ou de Londres, pesar trezentos quilos ou ser fino que nem um palito, homem em corpo de mulher e vice-versa; para uma série que sempre foi apelidada de sexista, esta liberdade de uso de pronomes evidenciados pela criação da nossa personagem foi libertador e atual. Tentei recriar-me e eis que me surpreendi com algo que não me parecia eu; não porque não me conseguisse recriar, mas porque não queria acreditar que aquele agora sou eu. Confronto com a realidade num espelho dentro de um jogo. Tanto para debater com o meu terapeuta.

Demorei duas horas neste processo.

Depois de ter conhecido um pouco da estória, que liga estas personagens tão díspares e, que faz com que vivam juntos numa espécie de irmandade falida, quis antes de avançar para as missões explorar toda a cidade de Santo Ileso. E esta talvez seja a minha parte preferida do jogo.   

A cidade é refrescante e diferente na sua aridez que lembra o oeste americano, Vegas e Colorado combinados, grande e cheia de pequenas surpresas para explorar. Contrariando os anteriores títulos que se passavam na cidade cinzentona de Steelport, aqui há cor, areia que inunda a vista e neons por todo o lado. Nas redondezas, temos grandes desertos, onde podemos passar a abrir em qualquer veículo roubado, saltando ao ponto de se tornarem incontroláveis. Há por aqui sítios para tirar umas boas fotos, como, por exemplo, às distintas e estranhas esculturas que nos vão aparecendo em cada recanto. 

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Outro elemento positivo: depois das missões que servem de tutorial, toda a cidade fica disponível para ser explorada, sem haver cá sítios fechados. Sendo Santo Ileso tão grande, as possibilidades de exploração são enormes. Mas fica o registo: uma cidade grandiosa como esta merecia mais vida. Os NPC’s não abundam independentemente da hora do dia e assim, apesar do ambiente vibrante, faz com que pareça uma cidade fantasma a maior parte do tempo. Até nas estradas, por vezes tenho vontade de saudar um colega condutor, pois também estes são raros. Faz lembrar o caminho para Portalegre, na famosa via do “lá vai um, festejemos!”.

Por vezes vamos perder o sentido do que queríamos fazer porque há sempre um novo veículo para surripiar e impressionam as diferenças de peso e condução que cada um deles apresenta. Não sei se se compararão a GTA neste aspeto, mas sente-se que houve um esforço para proporcionar experiências diferentes dependendo do que conduzimos. Apesar de ter o meu preferido (Hammerhead) todos eles têm ainda movimentos especiais que nos podem ajudar em qualquer missão de perseguição, afastando de vez os adversários. Estes movimentos são desbloqueados quando fazemos uma série de truques específicos com cada veículo, o que dá à outrora maçada de conduzir um aliciante diferente.

Explorar livremente Santo Ileso levou-me cinco horas.

E depois fui fazer ó-ó.

Dia 2 (8 horas) – “A estória principal é boa, não foi?”

Este dia intenso de jogo foi dedicado em exclusivo à campanha principal de Saints Row. E entro já de carrinho: esta não foi certamente uma prioridade para a equipa da Volition, que parece ter dado uma atenção maior ao ambiente do jogo do que ao seu desenrolar. O ritmo é irregular, contrastando missões completamente loucas dignas de Hollywood, como explodir um comboio numa perseguição à Mad Max numa tempestade de areia, para depois haver uma acalmia desmesurada. Quem procura Saints Row não vem certamente em busca de diálogo intrincado ou de explorar os problemas das suas personagens algo genéricas, apesar da sua atitude. Aqui vem-se pela espetacularidade, pelas explosões, pelo retumbante cair dos corpos em catadupa! E este jogo tem algo disso, sim, mas em doses pequenas e espaçadas. Parece claramente alguém que se quer tornar adulto, mas em cima da cama tem trezentos peluches.

Até a própria ligação entre os protagonistas é um cliché pegado: há o nerd, outra é uma mulher forte e consciente e há ainda o tresloucado que cresceu em casas de adoção. As suas estórias de vida são-nos entregues após uma primeira missão com eles como companheiros. Há pouca entrega, nenhum desenvolvimento e pouca surpresa na entrega porque, lá está, tudo é feito de forma abrupta. Todas as outras personagens parecem conhecer-se bem, mas nós não as chegamos a conhecer como mereceriam.

“Saints Row quis descolar dos seus antecessores e do rótulo de GTA marca branca”

Contrastando com toda esta correria desnecessária que assusta o alentejano que há em mim, há que destacar que o uso de armas corresponde a um bom momento de Saints Row. As missões principais envolvem sempre tiroteios e o uso de diferentes armas que felizmente são diferenciadas e com “pesos” diferentes. Isto ajuda a que todo o combate armado atinja níveis incríveis, com um pequeno ajuste nas opções do jogo no que diz respeito à sensibilidade dos nossos botões. Não encontrei armas maradas como em jogos anteriores, mas também têm habilidades associadas que tornam o combate ainda mais divertido.

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Tudo isto sempre acompanhado de uma escolha musical que ronda entre o hip-hop e o pop. Torna tudo bem mais divertido e entusiasmante. Quem nunca se sentiu revigorado com um som bacano enquanto arrasta um contentor pela cidade procurando fazer o máximo de estragos possíveis com a polícia à perna?

As oito horas foram passadas na estória principal e voltarei para a terminar, porque sei que está próxima do fim. Merecia mais.

Dia 3 (7 horas) – “Estou a jogar ou a trabalhar?”

No que diz respeito ao conteúdo opcional em Saints Row, há muito para fazer se assim quisermos. Mas o simples facto de haver muito para colecionar não significa que seja divertido de fazer. Tudo cansa relativamente depressa. Também é verdade que muito daquilo que se vai juntando pode servir de decoração para a nossa base, mas não vai ser tarefa que me faça buscar incessantemente aquele artigo.

As missões? Bom, há de tudo. Vasculhar caixotes de lixo em busca de preciosidades, dar avaliações negativas a estabelecimentos e fugir dos donos zangados. Mas há uma série de missões que me “atazanaram” a cabeça, envolvendo o transporte de uma série de mercadorias: lixo tóxico, roubar carrinhas de fast-food, carros específicos de um lado para o outro… Tudo isto se tornou secante, porque boa parte das missões que completam o jogo passam muito por isto. E ainda assim, dei por mim a completar um dia inteiro de trabalho seguido. Sete horinhas nisto. E sinto, devido aos pontinhos que vão abrindo no mapa, que não estou perto de acabar o meu trabalho.

Considerações finais

Saints Row quis descolar dos seus antecessores e do rótulo de GTA marca branca. O que sinto depois destas três maratonas é que talvez conseguissem lá chegar com mais tempo, mais dinheiro e um pouco mais de inspiração. Em alguns aspetos parece um produto acabado à pressa que acabará por cair no esquecimento. Realce-se o modo de criação das personagens, algumas missões que ficariam bem num filme protagonizado por Tom Cruise e uma Santo Ileso que transpira personalidade.

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( Foram jogadas um total de 22 horas separadas por 3 dias que não foram seguidos. Nenhum editor ficou ferido na produção desta análise. O mesmo editor acrescenta que nunca mais jogará um jogo desta forma).

Clica na imagem para mais informação sobre as nossas classificações

Saints Row mata o bicho de sandbox de crime, mas não é nem será um GTA

+ Santo Ileso inspirada

+ Missões saídas de Hollywood

+ Criação de personagens diversificadas  

 

– Missões secundárias mundanas

– Poucos NPC’s e sem vida

– Personagens principais insípidas

N.R.: A análise a Saints Row foi realizada numa PlayStation 5 com uma cópia do jogo cedida pela Play & Game.

Paulo Tavares: Professor de ocupação, jogador por diversão. Guarda religiosamente as cassetes do seu Spectrum 128k. Leva demasiado a sério a discussão de melhor Final Fantasy. 7, fim de conversa.
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