Tempos houve, nos distantes anos 80, em que a tendência nas artes e entretenimento era a exploração do mundo Digital. Com a World Wide Web ainda numa relativa infância e o advento dos computadores domésticos, muitos foram os filmes e livros com uma componente de aventura em universos cibernéticos. Narita Boy, o primeiro jogo da Studio Koba, vai beber à mesma fonte cinematográfica de Tron, War Games, Ghost in the Shell ou Blade Runner. Contudo, é bem mais do que uma mera homenagem.
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O jogo coloca-nos nos píxeis do titular Narita Boy, que não é mais que um jovem, numa noite, resgatado do seu quarto pela sua Narita One: a consola criada pelo… Criador, o génio programador que desenvolveu o videojogo Narita Boy, best-seller aclamado. Acontece que HIM, um programa maligno, ataca o sistema da Narita One, fundindo-se com a realidade e apagando as memórias do Criador. Cabe-nos, assim, explorar o universo digital de Narita Boy, em busca das memórias perdidas, para salvarmos o Criador e o mundo digital.
Para conseguirmos chegar a bom porto, somos equipados com a Technosword, uma espada que, à medida que progredimos pelas 8 a 10 horas de jogo, vai ganhando diversas habilidades para acrescentar ao combate. Com ela, evolui também o Narita Boy, que do básico salto e corrida, adquire várias habilidades úteis para os confrontos e exploração, quer sejam dashes aéreos, quer sejam empurrões a inimigos ou a capacidade de, a dada altura, “surfar” o código azul com uma disquete gigante.
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A premissa de Narita Boy e a sua jogabilidade faz-nos crer, à primeira vista, que estamos perante mais um título indie de homenagem simples às mecânicas de outra era, como os primeiros Castlevania, ou Another World. Porém, a ligação com a narrativa é muito mais forte. Não esperem deste jogo uma aventura descomprometida, completamente focada na jogabilidade: a narrativa é uma das coprotagonistas.
O Criador: Vida e Obra
A exploração em Narita Boy é linear, no sentido em que não conseguimos regressar a cenários previamente completados. Avançamos pelo Reino Digital, dividido nas três Casas (Vermelha, Azul e Amarela), enquanto vamos encontrando e restabelecendo as memórias do Criador. É justamente nesse binómio Mundo Real / Reino Digital que Narita Boy encontra o equilíbrio entre o tom da sua narrativa: por um lado, temos o lore criado para justificar a existência deste reino e dos seus habitantes, numa exposição de termos, conceitos e ângulos narrativos demasiado complexos e sem grande espaço de digestão para a sua total compreensão.
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Por outro, conseguimos perdoar este sobreentusiasmo com o universo da Cyberculture dos anos 80, graças à outra vertente. Cada memória do Criador despoleta uma visita a um momento da sua vida: desde a sua nascença, até ao criar do Reino Digital. Estes pequenos fragmentos da sua identidade humanizam Narita Boy, ao mesmo tempo que permitem uma muito necessária folga dos ritmos eletrónicos e do ritmo de combate / exploração. A própria música salta para outro tipo de instrumentos, outro tipo de sonoridades, e a mensagem é clara: por trás do engenho e da criatividade humana, muitas vezes, está o trauma e a incompreensão.
Chuva de Píxeis
Narita Boy é uma obra de arte. Pode parecer uma afirmação arriscada, principalmente tendo em conta o seu grafismo completamente alicerçado em pixel art e a popularidade deste subgénero artístico nos últimos anos, mas não é. Principalmente, se tivermos em conta a componente técnica. Segundo o Studio Koba, “Todos os assets no jogo foram desenhados e estruturados individualmente”. Este elemento acresce também às animações in-game, onde ao invés da animação em 3D, foi aplicado um sistema de animação tradicional em 2D.
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O resultado? Algumas das animações mais fluidas e interessantes dos últimos anos, num jogo em pixel art. É um prazer e um regalo ver cada faísca que a Technosword solta, a cada embate, da mesma forma que a movimentação dos inimigos e a forma como se despedaçam e transformam remetem-nos imediatamente para alguns dos melhores Anime desta era, como Akira ou Royal Space Force: The Wings of Honnêamise.
Os cenários e personagens secundárias estão carregados de personalidade, num filtro CRT permanente que ao início incomoda pela curvatura e efeito granulado, mas acaba por, como tudo em Narita Boy, servir a narrativa central e a construção deste ambiente cibernético.
Combate em 16 bits
Para além da exploração dos níveis, focados nas três Casas do Reino Digital, temos os momentos de combate com uma variedade bastante interessante de inimigos. Desde os mais robustos, com movimentos lentos, mas ataques explosivos, até magos capazes de conjurar mais inimigos, monstros voadores, cavaleiros com mecânicas de escudo… enfim: variedade não falta para quem aprecia a vertente mais mecânica dos jogos de ação.
Para além disso, temos os generais, bosses que aplicam, com a dose certa de recompensa e desafio, as bases das habilidades de combate e movimentação que adquirimos antes de os encontrarmos. Possuímos várias ferramentas ao nosso dispor, que nos permitem adaptar o nosso estilo de combate à nossa preferência. Tanto conseguirão utilizar um estilo mais esquivo, baseado em dashes constantes e espadeiradas rápidas e concisas, como um estilo mais arriscado, com charges de raios laser e da Technosword, potencialmente devastadores, mas também capazes de vos deixar vulneráveis.
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Infelizmente, apesar do potencial, o combate acaba por nos trazer os momentos mais frustrantes por sofrer dum pequeno, mas incomodativo input lag. É facto que, a meio da aventura, os nossos reflexos acabam por se adaptar, de alguma forma, a este elemento. Em 90% dos casos. Nos outros 10%, verbalizámos alguns impropérios por mortes e quedas alheias à nossa habilidade, mas à velocidade com que o botão correspondia à ação. Num título tão bem orquestrado em todas as suas funções mecânicas e visuais, é uma pena a jogabilidade sofrer este revés.
Considerações Finais
A progressão dos níveis é feita através de puzzles visuais. Existem diversos símbolos das três cores reinantes que precisamos de identificar, em cada cenário, para podermos progredir para a próxima sequência. Não são exigentes, mas acabam por testar a nossa capacidade de memorização (ou câmara fotográfica do smartphone), por não termos inventário onde os apontar… nem mapa para nos orientar. Estamos à mercê da nossa memória e, por vezes, a próxima porta a interagir com pode ser mais extenuante de encontrar por, justamente, não termos um elemento orientador do nosso caminho.
O bouquet audiovisual de Narita Boy é firmemente aprimorado por Salvinsky, que pulula entre as composições marcadamente electrónicas, repletas de sonoridades synthwave, com peças mais melancólicas, alicerçadas nos xilofones e cordas. É o fio condutor que, em termos do estímulo narrativo, nos ajuda a saltar entre a acção frenética e a emoção surpreendentemente profunda.
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Felizmente, Narita Boy é mais que a soma das suas inspirações e, de facto, um jogo de ação e aventura repleto de amor pela experiência e pela criação de um mundo virtual coeso para o jogador. A sua disponibilidade no Xbox Game Pass acaba por torná-lo absolutamente recomendável para quem procurar uma experiência diferente nos seus títulos em pixel art. Poderão ter que se habituar aos gaguejos técnicos do combate, mas que não vos impeça de mergulhar neste universo tão bem conseguido, por parte do Studio Koba.
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N.R.: A análise a Narita Boy foi realizada numa Nintendo Switch com acesso a uma cópia do jogo, gentilmente disponibilizada pela Team 17