(Esta é uma análise-jogo. Cada capítulo corresponde a algo que foi analisado. Várias opções vão ser apresentadas e cabe ao leitor escolher sobre o que quer ler. Leitura interativa. Ou então apenas uma forma de tentar trazer de volta à ribalta os livros-jogo, que tanto me entusiasmaram num época pré-consolas. Espero que gostem. Cuidado: há capítulos com rasteiras e perigos… Respeitem as suas regras e voltem a jogar para acederem a todos os capítulos, todos juntos completam a análise!)
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1
Persona e Daganronpa tiveram um caso escaldante e daí resultou um filho: Master Detective Archives: RAIN CODE, com o amnésico Yuma Kokohead como personagem principal.
Encontram-se com ele numa sala escura, com apenas três pontos de luz em modo lusco-fusco, ameaçando apagar-se em breve. Três pequenas velas de chama em extinção. Ele tem uma vela novinha em folha acabadinha de adquirir nas Jornadas Mundiais da Juventude, apenas uma. Se pretendes que o ponto de luz junto à janela ilumine melhor aquela árvore lá fora que a cada segundo se parece mais com um homem de olhar arrasado com uma faca grande na mão, segue para o capítulo 4.
Se o segundo ponto de luz de cera finita é a tua escolha, acende-o com a tua nova vela e vislumbra a obra de arte magnânime que está por baixo da mesma, de cores garridas e formas difusas; se semicerrarem os olhos parece claramente a imagem de Yuko que vos asfixia com um saco de plástico de um qualquer supermercado alemão. É isto que se quer? Boa, segue para o capítulo 8.
Se o três é o teu número da sorte, arrefinfa-lhe a vela aqui. Há uma televisão por perto. Estranho, parece estar sempre a passar o mesmo clipe. Como se fosse uma espécie de gif formato televisionado. Intrigante… Vai para o capítulo 9.
2
Os sons de vozes e música misturam-se numa cacofonia ensurdecedora ao aproximarem-se de um velho gira-discos, que descreve bem a banda sonora de Master Detective Archives: RAIN CODE. Música ritmada mas meio assustadora, que se enquadra perfeitamente na intensidade crescente que o mistério pede, bem à Danganronpa, destacando-se a música de entrada no jogo e nos Labirintos Mistério. Pop pastilha elástica que promete esmagar-nos os dentes com os seus crescendos.
Já a dobragem é bem conseguida, embora às vezes um pouco exagerada. Joguei apenas na versão inglesa (eu sei, batam-me), mas como o jogo tem muito que ler, ouvir as vozes ao mesmo tempo que lemos torna mais fácil compreender tudo o que nos é dito. E acreditem, há MUITO para ler e ouvir.
O gira-discos parou. Silêncio arrebatador. Parece que estás perto do fim. Segue para o capítulo 6.
3
De porta aberta, vemos Master Detective Archives: Rain Code em toda a sua glória estética: surreal é a melhor palavra para o caracterizar. Persona 5 e Danganronpa estão nas claras inspirações, com cores garridas, arte gótica e personagens em estilo anime bem conseguidas.
É claramente um jogo com um estilo único embora relembre outros. Talvez fosse necessário melhorar os modelos 3D, que parecem por vezes robóticos e até ligeiramente esbatidos, contrapondo toda a humanidade transmitida com tanto diálogo e pormenores sobre as personagens. Porvavelmente será propositado, mas não achei muito interessante. As próprias cutscenes podiam ser animadas, mas são apenas frames falados. Que pena.
Kanai Ward mostra-se em toda a sua glória e os ambientes que nos proporcionam rivalizam por vezes com a obra mais recente da Atlus.
Segue então para o epílogo, as considerações finais. Capítulo 6.
4
Chegando mais perto da janela, e agora com mais luz, acabamos por perceber que nada estava lá fora: era apenas o sumido reflexo de Yuma Kokohead. Mas quem é este moço que tem talvez o nome mais tótó de personagem principal de um videojogo? Yuma é um viajante de comboio amnésico que aparentemente vai a caminho de Kanai Ward, uma região fechada ao mundo e controlada pela Amaterasu Corporation. Yuma fica a saber que pelos vistos é um Master Detective em formação chamado a Kanai Ward pelos seus chefes, bem como outros seus colegas, para descobrirem mais sobre a região.
Muitos dos seus colegas irão dar a sua ajuda no treino de Yuma, seja com conselhos preciosos ou até enganando-o, que como bem sabemos ensina-nos muito mais que a verdade.
Mas a sua ajuda mais significativa e simultaneamente a personagem mais bem conseguida de toda a obra é Shinigami, uma deusa da morte em forma de fantasminha brincalhão / bomba sexual para preencher aqui a desnecessária quota defan service. Ela é sádica, ri nos momentos mais impróprios, é impulsiva mas ao mesmo tempo obriga Yuma a ser metódico na investigação dos mistérios criminais que lhe apresentam. O que começa como uma relação de claro abuso e bullying, desenvolve-se numa bonita estória de amizade e respeito.
Trama vista, hora de escolhas: ao fundo, ouve-se um som de uma música ritmada e forte. Ouvem-se também umas vozes indissociáveis. Se decidires seguir as notas musicais e o burburinho, segue para o capítulo 2.
Se queres abrir a janela e ver o que a árvore lá fora te reserva (agora que já sabes que é apenas uma árvore e nada mais – será?), segue para o capítulo 10.
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5
A melhor parte de saborear neste videojogo, tal como uma sandes que cria rios de molho nos cantos das nossas bocas, vem depois de toda a investigação em Kanai Ward estar feita em busca dos Detective Points. Depois de todas as pistas reunidas, segue-se o Mistery Labyrinth, onde todas as peças se vão encaixar ( ou não). O curioso é que mesmo depois de ter acesso às pistas, raramente ficamos com ceretzas de quem será o culpado. Yuma terá que fazer escolhas e apenas a verdade o deixará avançar no labirinto. Escolhas erradas apenas irão roubar pontos de vida. Calma, cada escolha incorreta rouba tão pouca vida que nunca estaremos em verdadeiro perigo de ver o ecrã de “Game Over”.
Neste labirinto temos a estrela da obra que são os Reasoning Death Matches. São sequências de combate simulado onde lutamos contra uma projeção transfigurada de alguém que tem interferância nos casos. Temos que nos desviarde afirmações que consideramos serem falsas e contra-atacar quando encontramos contradições usando Chaves-Solução que encontramos na investigação. É super gratificante emparelhar respostas corretas com erros que a tal projeção lança literalmente contra nós! Esta conjugação de ações físicas que a personagem tem que realizar para escolher o caminho investigatório correto dá azo a um novo subgénero de videojogo: plataformas mentais.
Achaste interessante? Então salta para o capítulo 6!
6
E no fim está o pudim: pode dizer-se que Master Detective Archives: Rain Code é uma ótima opção para quem gosta de “puxar pela cachimónia” (onde estão os meus peeps do Alentejo?), de apresentações ousadas a puxar para o otaku de nível um, boa premissa e ambiente de néons pisca-pisca. Desvendar os crimes naquele labirinto/manicómio, desviando-nos de acusações e falsos argumentos é extremamente satisfatório numa experiência que não perde em emoção para qualquer jogo da saga Danganronpa. A escrita é inteligente a puxar para o sádico, o que pode enganar o mais desprevenido depois de ver as personagens fofuchas. Sem medo de descer pelo mórbido e obscuro mas ainda assim com piada, até na forma como nos são apresentados os cadáveres de cada crime, parece feito para aquele psicopata que habita dentro de todos nós.
Bons puzzles, interação entre personagens bem conseguida e um argumento longo mas com um ciclo de jogo que nos faz começar sempre um novo mistério com renovado interesse.
(Chegaste ao fim do jogo. Ou ao seu início. Volta ao capítulo 1, que há mais coisas para ler se tomares opções diferentes!)
7
O café não presta. Blhec. A porta à tua frente não abre. Não abre. Não. Abre. Não há chave, não está debaixo do tapete, o Yuko não tem uma suplente e se ficam aqui muito tempo é provável que encontrem aqui o tal gato fofinho que ronrona. Ainda não encontraram o gato? Que pena. Volta para trás, esquece este caminho sem saída e repensa as tuas opções. Não é atirar um número para o ar e arrancar. Pensem. Regressem ao número 8.
8
Não, Yuko respeita demasiado o poderio alemão. E o próprio jogo também não te sufoca. Há muito que fazer, pensar e explorar nas trinta horas que já investi nesta obra. Verdade, há um problema de repetibilidade. Depois de cada caso desvendado, perde-se o efeito surpresa. Vale pelos seus intricados crimes e um elenco de personagens que não me importava de ver numa produção da TV Tokyo.
Ficam as áreas grandes por explorar que vão crescendo à medida que nos tornamos Sherlocks da Wish. Existem missões secundárias que são até bastante recompensadoras e não servem apenas para encher, estreitam relações entre as personagens. Sítios novos na cidade, com pessoas novas para falar e sempre algo para fazer fugindo da emoção de cada caso. Uma pausa para café entre casos.
Por falar em café, a chaleira fumega. Suportas cafeína? Não vives sem ela? Vá, serve-te, cheira bem. Pega na chávena e usufrui do prazer que só uma substância aditiva pode dar. Capítulo 7, vá.
No capítulo 5, irás encontrar uma sandes enorme, babosa e cheia de gorduras saturadas que te vão dar a parte mais substancial da análise. Come para aguentares o resto das saladas em capítulos que te sirvo. Capítulo 5. Leva babete.
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9
A televisão passa o mesmo clipe uma e outra vez, em loop ininterrupto.
Falemos então do game loop, aquilo que está no cerne do interesse de cada jogador. Apesar de ser meio limitativo, é algo que funciona aqui. Primeiro investiga-se cada cena de crime para juntar o maior número de pistas, iniciando o processo de dedução, percorrendo Kanai Ward, que é uma cidade cheia de néons taciturnos e que transpira steampunk.
Entramos depois na loucura que é o Mistery Labyrinth, que como o próprio nome indica, um labirinto de inferências, enfrentando puzzles que temos de ultrapassar com as pistas que encontramos para encontrar os verdadeiros criminosos.
Simples? Nem por isso. Cada investigação é ligeiramente diferente da anterior e a estrutura muda, ao ponto de o jogador nunca se sentir demasiado confortável. A própria construção de cada labirinto também varia, sempre com a decoração relacionada com o crime praticado. Decoração de interiores com sangue, cores berrantes e música estimulante, que lembra um qualquer beat-em up dos anos noventa.
No canto da divisão, há uma porta à Mario 64 que nos indica Kanai Ward. Ouves por trás dela a turbulência e o pulsar de uma cidade em ebulição Atreves-te a entrar? Segue para o número 3.
A porta ao lado parece pacífica. Ouve-se uma espécie de ronronar felino. Não és alérgico? Então vai lá ver o que se passa. Vá, ele não morde. Pode só arranhar. Capítulo 11.
10
Sim, uma árvore. Árvore de habilidades, claro está! Para tornarmos o nosso Yuka mais forte e com mais capacidades para enfrentar todos os desafios que vai encontrar temos que reunir o maior número de DP (Detective Points). Analisar um objeto, falar com testemunhas, ler mapas, tudo dá acesso a DP’s. E é com esses pontos que vamos investir em Yuka, permitindo-nos ganhar por exemplo mais resistência aos “combates” e retirar pistas falsas. Bastante simplista, certo, mas atribui umas vibrações de RPG que por aqui são sempre bem-vindas.
6. Vá, avança. Não há mais nada para ler por aqui. A árvore já deu os seus frutos. Capítulo 6.
11
A porta range a entrar, com uma luz clara a inebriar os sentidos depois de tanto tempo no escuro. Yuko e tu demoram a conseguir enxergar. À medida que a visão fica menos toldada, veem numa cadeira um pequeno gato de patas escondidas por detrás de uma cauda farfalhuda. Que adorável. Porque não fazer-lhe uma festinha?
A luz apaga e acende em meros milésimos de segundos e a candura celeste das paredes desta sala ficam carmesim, sangue de ambas as jugulares. Gato pequeno, garras afiadas. Os mesmos milésimos de segundo, que parecem agora horas, assistem a ti e Yuko a esvairem-se em sangue, enquanto o pequeno e travesso gato lambe as patas num ronronar de satisfação sádica. Volta ao número 1.
Danganronpa e Persona criam um filho negro cheio de classe steampunk e mistério, que nem a fraca repetibilidade e os tomos de leitura beliscam.
N.R.: A análise a Master Detective Archives: RAIN CODE foi realizada numa Nintendo Switch com uma cópia do jogo cedida pela Nintendo Portugal.