Guardians of the Galaxy

Guardians of the Galaxy – Análise

Em 2014, num universo cinematográfico repleto de homens de ferro, deuses nórdicos e capitães com escudos norte-americanos, nada fazia prever que uma space opera moderna se tornaria uma das películas mais acarinhadas do público. Mas esse foi o destino de Guardians of the Galaxy, o filme.

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Em 2021, o universo é de videojogos e está repleto de adolescentes trepadores de paredes, milionários com caves e uma Ms. Marvel surpreendente. Pode a mesma grupeta improvável causar o mesmo impacto que a sua versão do cinema? A resposta simples é: mais ou menos.

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De Star-Kid a Star Lord

São fãs de histórias de origem? Ótimo. Guardians of the Galaxy decide, numa decisão inteligente, distanciar-se daquilo que conhecemos das personagens e atores no cinema, levando-nos novamente pelo início de Peter Quill, o nosso Star Lord e “líder” dos Guardiões da Galáxia.

O primeiro impacto que o jogo nos causou, de resto, foi nos valores de produção. A Eidos Montreal provou ser capaz de criar personagens com pormenores e expressões faciais altamente complexas, tornando-as quase… humanas.

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E se no caso de personagens humanóides, como o estóico Drax ou a reservada Gamora, este realismo era esperado, no caso de Rocket e Groot, está um trabalho delirante. Delirante, no sentido de conseguirmos, muitas vezes sem o tom das suas vozes, compreender as suas emoções pelas microexpressões faciais. O que, no caso dum tronco gigantesco e de um guaxinim com rastas no queixo, é um feito assinalável.

Estes detalhes tornam-se mais deliciosos, quando os casamos com a escrita e a interpretação dos atores deste jogo. É, debativelmente, um dos títulos AAA mais bem escritos dos últimos anos. Por bem escrito, não falo do arco narrativo de cada personagem, até porque os tropes das aventuras Marvel concretizam-se todos, sendo uma história competente mas não brilhante.

Falo, isso sim, das pequenas frases de contexto entre cada personagem. Da forma como cada uma das personagens tem diálogos que não só soam absolutamente naturais, como se adequam na perfeição nas ações macro de cada uma delas.

Este equilíbrio é, talvez, das tarefas mais complicadas na escrita de um videojogo, pela quantidade de vezes que determinadas frases são repetidas em loop. Guardians of the Galaxy faz-nos acreditar e, extraordinariamente, antecipar determinadas reações das personagens porque a forma como falam é credível.

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Um exemplo prático: a dada altura, conhecemos uma personagem que nos guia por uma rede de corredores num satélite da Nova Corps, a polícia deste universo. Apesar de termos travado conhecimento com ela naquele momento, o diálogo é orgânico e mutável – se respondermos a uma pergunta sobre a sua autoridade e a reforçarmos, mas nos afastarmos imediatamente a seguir para explorar uma zona escondida, a personagem comenta: acabaste de dizer que eu é que mandava e que me ias seguir e afastas-te logo?

Muitos jogos sofrem de dissonância ludonarrativa e Guardians of the Galaxy promete tornar-se um exemplo de antologia de como nos colocar imersos na personagem que interpretamos. E se o mundo fosse justo, a análise terminava por aqui e íamos todos para casa satisfeitos. Infelizmente, Guardians of the Galaxy, o jogo, tem uma gigantesca desvantagem que Guardians of the Galaxy, o filme, não tem: precisa de ser um jogo.

Vira o disco e toca o mesmo

A jogabilidade de Guardians of the Galaxy tem um truque na manga. A olho nú, parece apresentar-nos um sistema de combate estratégico, em tempo real, controlando uma equipa de várias personagens – com semelhanças entre Mass Effect e Final Fantasy VII Remake.

Porém, assim que olhamos com mais atenção e começamos a repetir cenários de combate, percebemos rapidamente que, no fundo, as opções são limitadas, aborrecidas, repetitivas e a vertente de equipa é mais ilustrativa que útil.

Controlamos apenas o Star Lord, munido das suas clássicas pistolas laser. Nota-se que a Eidos bebeu muito dos exemplos mais conhecidos de shooters sci-fi na terceira pessoa. Só que, enquanto o Comandante Shepard tem um manancial de decisões e estilos de combate para customizar e a Diretora Jesse Faden desenvolve habilidades diversas e um controlo de pistola sólido e preciso, Peter Quill controla-se mais como um jogo de whack-a-mole com os botões.

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A mira é muito pouco precisa – apesar da funcionalidade de lock-on, pouco controlável e instável -, e as habilidades de locomoção da nossa personagem são poucas e todas elas simples de abusar. A maior parte dos tiros têm uma ausência de impacto que não se justifica num título desta envergadura, tornando ainda mais difícil a tarefa de percebermos qual é, afinal, a hitbox dos nossos inimigos.

Já os restantes guardiões estão restritos a atividades aleatórias, sobre as quais não temos qualquer input. Não podemos predefinir estratégias para cada personagem, deixando-as ao abandono, até cada uma das suas habilidades carregar e as utilizarmos, como num jogo simples de tesoura-papel-pedra, em cada tipo de inimigo.

Os próprios inimigos, apesar dos designs inspiradíssimos e, muitas das vezes, impressionantes, caem praticamente todos na mesma lógica desinspirada de combate: sequências onde surgem inimigos que disparam ao longe, inimigos rápidos mas frágeis e um ou outro inimigo mais robusto. Soa tudo, honestamente, a template e quanto mais avançamos em Guardians of the Galaxy, mais difícil se torna ignorar esta repetição tediosa.

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Nível, mas pouco

Guardians of the Galaxy introduz-nos também algumas mecânicas de RPG, principalmente associadas ao crescimento da nossa personagem. Ou pelo menos, pareceu-nos ser essa a intenção. Porque na realidade, o que acontece é que temos dois tipos de nivelamento. Ora podemos desbloquear perks exclusivos ao Star Lord, através de workbenches espalhadas pelos vários níveis, ora podemos adquirir novas e mais explosivas habilidades para nós e para o resto da equipa.

Os perks são ativados através de partes mecânicas que vamos encontrando espalhadas pelos vários cenários, muitas das vezes no caminho contrário ao principal, e acrescentam algum sal ao combate e opções de Peter Quill. O que seria interessante, se os seus tiros normais não fossem o suficiente para passar o jogo inteiro sem grandes problemas, retirando-nos qualquer incentivo para desbloquear tudo, fora colecionistas que pretendam ter 100% a tudo.

Já as habilidades, cujos pontos de desbloqueio ganhamos no fim de cada cenário de combate, são de facto úteis e alargam o leque de golpes especiais que a equipa pode utilizar, mas são tão reduzidos que quando tiverem todos desbloqueados, já estão demasiado avançados no jogo para fazerem alguma diferença.

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Não há problema nenhum na simplicidade. Na verdade, quando bem-feita, torna a experiência de jogo refrescante e mais digerível, até porque nem todos os videojogos precisam de um manual de instruções para dezenas de mecânicas em cruzado. O elefante espacial gigantesco de Guardians of the Galaxy, no entanto, é soar a desleixo. Principalmente quando casado com a falsa sensação de escolha.

Existem vários momentos narrativos onde, enquanto líder, escolhemos a opção a tomar, seja para defender uma das personagens, seja para tomar um lado numa discussão. Apesar de todas soarem credíveis graças à qualidade da escrita, acabam por não ter nenhuma consequência de maior. Existe um ou outro pormenor e caminho que alteram, mas em traços largos, a narrativa é igual e está definida.

Novamente, nada contra, até porque a narrativa neste título é muito sólida e capaz, porém, é impossível não ficarmos com um amargo de boca por ver que as nossas escolhas são mais decorativas que reais.

Considerações Finais

Há uma mecânica em Guardians of the Galaxy que, inadvertidamente, se torna a metáfora perfeita para a experiência com este título. Quando preenchemos uma barra durante o combate, à medida que nos desviamos com sucesso dos projéteis dos inimigos, ganhamos acesso ao modo Huddle.

O minijogo é simples – a nossa equipa diz algumas frases relativas ao momento do combate e precisamos de responder em linha, para conseguir um bónus para todos. Com esse bónus, vem uma das músicas da conhecida playlist da personagem, repleta de clássicos dos anos 80. O problema é que a escolha é absolutamente aleatória. Tanto pode surgir um tema que casa na perfeição com a situação, como outro que não faça ponto de sentido e quebre a imersão.

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No final do dia, Guardians of the Galaxy é exatamente isso: uma roleta-russa do melhor que já se escreveu e desenvolveu este ano, cujo resultado acaba por ser, na maior parte das vezes, jogabilidade aborrecida e repetitiva. E é muito triste que assim seja. A escrita, o carinho pelas personagens e pela história mais global das mesmas no universo Marvel é palpável e, em muitos momentos, oferece-nos uma melhor versão que a que temos no cinema.

Porém, vemo-nos obrigados a repetir. Ao contrário da congénere no grande ecrã, este Guardians of the Galaxy é um videojogo. E na componente daquilo que é um videojogo, falha redondamente. A escrita e produção não merecia este desfecho. Resta-nos apenas a esperança que este seja o primeiro de uma saga onde, nos próximos capítulos, possamos juntar boa jogabilidade ao mesmo nível narrativo.


+ Produção e execução técnica impressionante
+ Interpretação e escrita de elevado nível
+ Narrativa central competente e divertida

– Jogabilidade repetitiva e pouco imaginativa
– Má gestão de expectativas quanto às escolhas
– Níveis demasiado lineares

N.R.: A análise a Guardians of the Galaxy foi realizada numa Xbox Series X | S com acesso antecipado a uma cópia do jogo cedida pela PlayNxt