Análise Genesis Noir

Amor. Mistério. Jazz. A teoria do Big Bang. À primeira vista, são conceitos que não se conciliam. É essa, também, a premissa de Genesis Noir, o jogo de aventura interativo da Feral Cat Den. O desafio que nos propõe é simples e, em simultâneo, absurdo: travar o Big Bang para salvarmos a nossa paixão.

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Um aviso prévio, antes de iniciarmos a viagem por Genesis Noir. Se a vossa expectativa para este título está num videojogo tradicional, de mecânicas, ambientes e visuais comuns, deixem-na à porta. A viagem que a Feral Cat Den nos propõe é tão difusa, vibrante e, em alguns momentos, inexplicável, quanto a beleza surrealista dos seus gráficos e improviso programado da sua banda-sonora.

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Um copo, um bilhete… e um tiro.

Assumimos o papel de um vendedor de relógios, numa rua escura e chuvosa, pertencente a qualquer metrópole no Mundo. O jogo decorre através da nossa interação com os itens no ecrã. Ou seja, na maior parte das situações, surge-nos um ícone com o qual podemos interagir com objetos e, dada a situação, manipulá-los para avançarmos na narrativa.

Daqui saltamos para um número num guardanapo, a promessa de um amor fortuito e um homem que dispara sobre a dona do número de telefone. É a partir desse tiro e desse momento que Genesis Noir arranca a sério. No sentido de nos arrancar literalmente daquilo que é, enfim, a nossa perceção da realidade a três dimensões.

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A narrativa de Genesis Noir é contada através de várias camadas conceptuais. Imaginem um bolo de vários recheios. No exterior, encontram os desafios a resolver para conseguir salvar Miss Mass, a cantora por quem se apaixonaram, do seu temível destino. No entanto, na primeira camada de recheio, saboreiam a comparação direta com a teoria do Big Bang, ao visitarmos os diversos momentos ao longo da história da… existência. E por fim, um sabor mais profundo, que nos desconstrói ambas as narrativas numa comparação do que é, afinal, o Universo, existir e o que pode – ou não – ser o Destino, ou a sua ausência.

Ver a vida nas dimensões que quiseres

Durante as 5 a 7 horas que Genesis Noir dura, somos arrancados da nossa perspetiva tradicional do Mundo a três dimensões. Este efeito é conseguido através duma paleta gráfica onde imperam, apenas, o preto, o branco e o dourado, pelo menos durante a maior parte do jogo. Tanto os ambientes que percorremos como as personagens estão desenhadas num estilo abstrato e surrealista, cuja dimensão é manipulada conforme a sequência que jogamos.

Passamos por várias fases do Universo, desde a sua literal conceção, até a diversos momentos da história do planeta Terra, em busca de elementos dourados que nos permitam construir um Buraco Negro para sugar a bala. Contudo, é também durante esses momentos que o jogo utiliza formas caleidoscópicas, com luzes fortes e intensas, para nos encaminhar durante a realização dos diversos puzzles.

Por vezes, rodaremos o Sistema Solar para que o Tempo possa correr. Noutras sequências mais humildes, colaremos cacos de porcelana. Ou improvisos com um músico de contrabaixo. As tarefas são variadas, tanto em conceito, como na mecânica que oferece ao jogador para os resolver.

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São simples, na sua conceção, mas por vezes pouco claros naquilo que nos pedem. Não ficarão bloqueados em momento algum. Contudo, poderá nascer alguma frustração por não entenderem, à primeira, o que vos é pedido para avançar. Por outro lado, Genesis Noir foi claramente construído para ser uma experiência point-and-click, pelo que, em muitas das ações (testámo-lo na Nintendo Switch), o analógico não substitui, na perfeição, as ações que seriam naturais com um rato.

Ponto assente, a visão artística e criativa acaba por nos ajudar a perdoar estes momentos. É absolutamente arrepiante a forma como a Feral Cat Den consegue urdir uma narrativa em vários níveis, tanto quanto às consequências éticas e morais da busca pelo alterar do Destino e da potencial manipulação do Tempo e do Espaço, como também ao nível emocional, levando-nos a refletir sobre o que é, no fundo, amar alguém e até que ponto o sentimento de pertença ou de posse engloba esse sentimento.

And all that Jazz

Dentro de todo o elemento gráfico e artístico, está também a banda-sonora composta e interpretada pelos Skillbard. A estética de filme noir pede, quase que instintivamente, uma sonoridade própria de cotton club e este agrupamento de compositores não desilude.

Principalmente, porque Genesis Noir conta-nos a sua história também através das suas melodias. Como é também próprio do Jazz, nem sempre os ritmos, sons ou cadências são lineares. A banda-sonora acompanha-nos e molda a nossa compreensão de cada elemento narrativo, focando não só o abstrato da história geral, mas também o abrir dos nossos preconceitos e perceção mundana do que nos rodeia.

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Seja pelos imprevistos bem coordenados entre instrumentos, pela mistura com outras sonoridades que, à partida, não deveriam estar numa OST de Jazz, Genesis Noir e o seu surrealismo funcionam de forma tão incisiva porque a sua música não serve de tapete à ação. É, ela também, personagem no enredo e trabalha em conjunto com o restante pacote artístico para concretizar a visão da Feral Cat Den.

Considerações Finais

Genesis Noir é um daqueles títulos que corre o risco de passar despercebido. Não se trata de um AAA, nem tão-pouco de um videojogo com mecânicas tradicionais e populares. Arrisca, não só na sua dimensão – numa tarde concluem o jogo – mas também na forma como desconstroem aquilo que é o pressuposto visual do que seria um jogo.

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Desafia as leis da nossa lógica, mas também o status quo daquilo que se espera de um jogo de aventura de sucesso. A história, a sua conclusão e o que retiramos dela está intrinsecamente ligada à análise que dela fizermos. Genesis Noir não nos diz o que devemos retirar do jogo. É o mesmo que nos empurra, bruscamente, da nossa cadeira, para o desconhecido, o abismo e nos obriga a experienciarmos algo diferente, desconfortável e pouco familiar.

É, sem dúvida, a prova de que a criatividade nos videojogos não está morta e é, até ao momento, das propostas mais provocadoras – e obrigatórias – de 2021.


+ Narrativa abstrata e criativa
+ Gráficos surrealistas
+ Puzzles em função da premissa / narrativa
+Banda-Sonora brilhante e parte da história

– Melhor pensado para PC
– Alguns puzzles não são claros

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N.R.: A análise a Genesis Noir foi realizada numa Nintendo Switch com acesso a uma cópia do jogo, gentilmente disponibilizada pela Evolve PR.

Carlos Duarte: Adulto de 30 e poucos anos que guarda, dentro de si, o garoto que se apaixonou por videojogos e por um ouriço azul. Escriba profissional de assuntos diversos, jogador dedicado da 1ª à 9º geração de videojogos.
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