Análise por: David Fialho
Cheguei ao final do segundo ato de Dragon Age: The Veilguard, com 40 horas de jogo, e uma certa confusão na minha mente. Afinal de contas, quando é que o jogo realmente arranca? Esta questão não se trata daquele cliché de que “o jogo fica bom ao fim de X horas”, pois Dragon Age: The Veilguard é, de facto, bom desde a sua hora inicial, apresentando-nos um novo e diverso elenco de personagens encantadoras, uma premissa emocionante e um mundo lindo de morrer. No entanto, a sua estrutura narrativa, a forma como as suas histórias e mitologias fluem e todos os mecanismos próximos de um RPG-lite – apimentado com resíduos de uma produção inicialmente pensada para um jogo online-, comprometeram as minhas emoções face a um novo e empolgante projeto de uma das minhas produtoras favoritas: a BioWare.
Segue o Future Behind: TikTok | Instagram | Facebook | X
Mas, regressando um pouco atrás, a minha antecipação por Dragon Age: The Veilguard era elevada, mesmo sendo um fã muito maior de Mass Effect pela sua abordagem de ficção científica e pela sua natureza de action RPG, do que pela franquia de fantasia com elfos, dragões, sotaques britânicos e mil e uma referências tolkienianas. O histórico da BioWare pode não ter sido o melhor durante a última década, com duas gigantes nódoas negras provocadas por Mass Effect: Andromeda e por Anthem, mas, a caminho de um quinto jogo de Mass Effect e com a promessa de uma produção mais autêntica, eu tinha de testemunhar Dragon Age: The Veilguard e perceber se ainda há motivos para confiar na produtora canadiana.
Dragon Age: The Veilguard surge uma década depois do último jogo da franquia (Dragon Age: Inquisition) e após um desenvolvimento um tanto anómalo, com tanto de positivo como de negativo. Se, por um lado, foi alvo de um reboot de produção e, durante esse período, viu mais de 50 pessoas da equipa saírem do estúdio, por outro, foi um jogo que manteve um contacto muito próximo com a comunidade, através de notas de produção, vidocs e muitos teases sobre a direção da série. Felizmente, o resultado final não é um desastre; pelo contrário, é um dos jogos mais sólidos no seu lançamento, neste calibre, que tivemos nos últimos tempos.
Dando continuidade aos eventos de Inquisition — também com uma década passada naquele universo —, vestimos a pele de Rook, o nosso avatar altamente personalizado, que se encontra em busca de Solas, o deus élfico que traiu os jogadores no jogo anterior com a sua missão pessoal de destruir o Veil, uma barreira metafísica que separa o mundo de Dragon Age da Fade – uma dimensão de espíritos e demónios. Numa missão para travar Solas e impedir que leve a cabo o seu plano que poderia destruir o mundo, as coisas não correm bem nem para os heróis nem para o aparente antagonista, que, afinal, só queria sacrificar parcialmente o mundo por um bem maior. Agora, ele tem de lidar com a fúria de deuses interdimensionais que pretendem dominar tudo e todos.
Segue o Future Behind: TikTok | Instagram | Facebook | X
Dragon Age: The Veilguard apresenta-se como uma missão para salvar o mundo de uma ameaça crescente, numa corrida contra o tempo para impedir que uma entidade superior e incompreensível invada a nossa casa. É uma história de recruta que abraça o cliché dos amigos que fazemos pelo caminho, com todos os ingredientes para deixar qualquer jogador novo na saga confortável com a sua história e personagens — apesar de não faltar lore e mitologia para nos esfregar na cara com enorme satisfação.
Não sei ao certo o que quer dizer “magia da BioWare”. É uma expressão recorrente que serve para identificar certos aspetos característicos das produções do estúdio, algo que normalmente só consigo apontar entre jogos de uma das suas séries: Mass Effect. Dito isto, sim, sinto que existe aqui algo de familiar. Diria, até, perigosamente familiar. Não por se tratar de um RPG mais de ação do que tático, por conter opções de diálogo e romances ou por apresentar excelentes personagens num elenco variado e cativante. Mas sim porque, em parte, me parece um “remake de fantasia” de Mass Effect 2 com elementos de Mass Effect 3.
Tal como o aclamado jogo da BioWare, que é, por muitos, considerado um dos melhores de sempre, Dragon Age: The Veilguard conta basicamente com o mesmo plot basal. Há uma ameaça interdimensional a apoderar-se, aos poucos, do nosso mundo; há colónias/regiões a caírem na escuridão; há uma mutação (a Blight) com inimigos que parecem os Husks e outras criaturas “indoctrinadas”; há um período de recruta de misfits com direito a missões de lealdade que podem definir elementos da história; e temos, até, um Illusive Man, ou neste caso Solas, cuja presença existe em igual medida, através de projeções em sequências de exposição onde a nossa personagem tenta compreender as suas verdadeiras intenções.
Para lá do elemento de fantasia — de forma muito superficial, é claro —, a grande diferença entre as duas franquias é que, em Mass Effect, o sentimento de melancolia e de corrida contra o tempo era sempre muito mais presente, mesmo quando havia espaço para atividades secundárias ou missões mais descontraídas, que podiam comprometer o sucesso da missão principal de Shepard.
Se há algo que não caiu bem comigo em Dragon Age: The Veilguard, e com o qual tenho algum receio para futuros jogos da BioWare, é mesmo a sua estrutura e a forma como navegamos na história. Apesar de, enquanto RPG, ser bastante direto no tipo de missões e atividades — que são essencialmente três, dividindo-se entre missões principais, missões de companheiros e missões de fações —, à medida que as ia completando ao meu ritmo e vontade, muitas vezes não era claro se as pessoas que estava a ajudar e as suas histórias realmente tinham algum tipo de ligação substancial aos eventos principais do jogo. Para lá de, lá está, enriquecerem o lore e a mitologia da coisa.
Segue o Future Behind: TikTok | Instagram | Facebook | X
Esta sensação tornou-se rapidamente evidente nas primeiras horas de jogo, à medida que íamos conhecendo os nossos companheiros, que, após as suas introduções, nos atribuíam logo novas missões. Estas servem sempre de primeiro arco de cada uma das suas histórias individuais. Dragon Age: The Veilguard tenta, com vários níveis de sucesso, apresentar-nos personagens incríveis, fáceis de criar empatia e extremamente divertidas de conhecer. O meu problema reside na forma quase forçada como o jogo quer que as conheçamos, atirando-nos imediatamente para pequenas viagens às suas terras, apresentando famílias, oferecendo dossiês inteiros de backstories trágicos e esperando que fiquemos automaticamente a gostar destas pessoas. Em vez de, por exemplo, optar por conversas no hub ou por banter durante a exploração e combate (que existem em quantidade saudável), para que, numa fase mais avançada do jogo, o jogador sinta vontade de ajudar estas personagens com os seus problemas pessoais.
Para mim, essa “magia da BioWare” também reside nessa forma convidativa de nos envolvermos no mundo e nas suas histórias de maneira mais orgânica, através de personagens extremamente ricas e desenvolvidas. Apesar de adorar a nerd da Bellara, a querida Harding, o misterioso e honrado Lucanis ou a cínica Neve, para nomear alguns, teria preferido outros método de introdução aos mesmos. Especialmente quando quase todas estas missões iniciais parecem pequenos episódios de slice-of-life que não avançam a trama principal, dessensibilizando-me da sua urgência.
Felizmente, quando a história arranca, acelera com intensidade e volta a prender-nos — até que somos levados a fazer mais atividades e missões mais calmas. Isto resulta numa montanha-russa de emoções em que havia dias em que tinha genuinamente vontade de pegar em Dragon Age: The Veilguard e outros em que sentia uma imensa fadiga.
Mas a forma com que conta história e a estrutura do jogo não foram os únicos elementos sofríveis na minha aventura por Thedas. A progressão de personagens, as suas habilidades e a gestão de inventário também se revelaram barreiras irritantes.
Existe um esforço louvável por parte da BioWare em oferecer um leque de opções de personalização extremamente variado e flexível. Desde o seu extenso criador de personagens às opções de transmog, para expressarmos o nosso estilo com um grau de liberdade fantástico. Assim como a personalização de habilidades e a forma como podemos usar e repor pontos, dando prioridade a certas habilidades e poderes, tanto na nossa personagem principal como nos nossos companheiros. No entanto, toda a apresentação e interação com os menus — e até mesmo com o mundo — tresanda a vestígios de um outro jogo, talvez daquele que estava a ser inicialmente projetado pela BioWare com o nome de código Dreadwolf. Um jogo com uma componente multi-jogador.
A interface de Dragon Age: The Veilguard adota um formato que já vimos em mil e um jogos, particularmente semelhante a Destiny e com um nível de leitura e exploração próximo dos irritantes menus de God of War: Ragnarok. Não é propriamente divertido experimentar as diferentes variantes e combinações de equipamentos sem perder algum tempo a analisar estatísticas e valores percentuais. Muitas vezes, acabamos por equipar o que oferece mais dano ou defesa e seguimos em frente. E sim, eu sei, 99.9% de todos os RPGs fazem isto. Mas em Dragon Age: The Veilguard parece artificial e um mecanismo de retenção da atenção do jogador.
Segue o Future Behind: TikTok | Instagram | Facebook | X
De igual forma, temos as interações com os NPCs que vendem e atualizam o nosso equipamento, utilizando funções familiares, onde é necessário gerir os créditos e materiais recolhidos ao longo da exploração. Este aspeto nem seria digno de crítica se o jogo fizesse um trabalho mais eficaz em incentivar-nos a recolher determinados itens. Tudo o que apanhamos parece aleatório e sem valor, acumulando-se como entulho para nos desfazermos dele o mais rápido possível.
Mesmo os baús espalhados pelos níveis, que teoricamente nos incentivam à exploração, parecem atribuir itens e materiais de forma completamente aleatória. O grau de RNG é desequilibrado, e nunca sabemos se vamos encontrar uma nova arma, equipamento útil ou apenas um elemento cosmético. Isto torna a exploração dos níveis vazia, artificial e, muitas vezes, sem grande recompensa pelo esforço investido em alcançar determinados pontos.
Se pareço muito negativo com Dragon Age: The Veilguard, não temam, porque, no geral, gostei do jogo. Há, de facto, aspetos redentores — sendo a jogabilidade um deles. O combate é mais próximo de um RPG de ação contemporâneo do que dos sistemas táticos dos jogos anteriores ou do mesmo género, embora alguns esses elementos se mantenham, como a da gestão de mana, que vai sendo acumulada ou gasta dependendo dos ataques realizados. A fluidez do combate é frenética e divertida, especialmente em confrontos mais caóticos. Neles, podemos coordenar contra-ataques, executar parries e ativar ataques combinados.
Além disso, temos os ataques dos membros da nossa equipa, que podemos ativar em tempo real ou através de pausas estratégicas. Em algumas ocasiões, é possível combinar habilidades dos companheiros com as nossas para criar ataques mais devastadores.
Tudo isto é extremamente satisfatório de aplicar em prática graças às incríveis animações dos personagens, que são variadas e, por vezes, radicais. Escolher a classe de Mage para a minha Rook foi, sem dúvida, a melhor decisão que tomei. Fiz um pouco de role-play com uma elfo inspirada em Frieren, que ocasionalmente executava ataques especiais ao estilo de um “Kamehameha”, com toda a intensidade de um anime.
A apresentação visual de Dragon Age: The Veilguard foi um dos aspetos mais debatidos aquando do seu lançamento. Por um lado, havia fãs do fotorrealismo que prefeririam um registo visual mais natural e realista. Por outro, estavam aqueles que abraçaram confortavelmente o estilo que o jogo escolheu entregar. Eu faço parte do segundo grupo.
Se foi a melhor ou a pior decisão dar a Dragon Age: The Veilguard um aspeto mais cartoonesco, não sei dizer. Mas a BioWare, o seu departamento de arte e os engenheiros por detrás do Frostbite Engine fizeram um trabalho brilhante ao entregar um jogo visualmente consistente, rico, diverso e com uma qualidade de imagem extremamente sólida. Num computador bem configurado como o que usei — tirando partido de todas as tecnologias da NVIDIA numa RTX 4090 —, as cinemáticas principais do jogo chegaram a roçar a qualidade fílmica de uma produção em CGI.
A iluminação constante das personagens, a composição das cenas, o design incrível dos ambientes, as animações em cinemáticas e em combate — tudo se articula graciosamente para oferecer uma experiência que ainda merece o selo Next-Gen, apesar de já estarmos a meio da geração atual. Não é o melhor que vimos até agora e, em atividades menores, como as conversas com NPCs, o grau de fidelidade não é tão elevado. Ainda assim, a ilusão visual é bem conseguida nos momentos que realmente importam.
Segue o Future Behind: TikTok | Instagram | Facebook | X
Por fim, quero deixar uma nota de especial à fantástica banda sonora, assinada por Lorne Balfe (Mission: Impossible – Fallout) e Hans Zimmer (Dune), que acompanha a jornada com uma surpreendente variedade de temas. O destaque vai para o magnífico tema principal, heróico e pujante, carregado do ADN característico de outras obras cinematográficas dos compositores, que também são bastante familiares a este meio interativo.
No geral, a minha experiência com Dragon Age: The Veilguard foi feita de altos e baixos, oscilando entre momentos de genuína emoção e outros de aborrecimento. No entanto, guardo com carinho os momentos cinematográficos, em especial na reta final, e as interações com os meus companheiros, repletos de personalidade, histórias e conflitos, acompanhados também por uma escrita e diálogos recheados de alma e coração.
Dragon Age: The Veilguard está disponível para PC, PlayStation 5 e Xbox Series X|S.
No geral, a minha experiência com Dragon Age: The Veilguard foi feita de altos e baixos, oscilando entre momentos de genuína emoção e outros de aborrecimento.