Quando liguei Atomic Heart, da Mundfish, estava longe de estar preparado para o mundo que me iria receber. Do jogo, tinha apenas visto os mesmos trailers deliciosos, repletos de partículas e set-pieces apetecíveis, com um piscar de olhos a Fallout e Bioshock, numa URSS utópica. Achava, então, que teria à minha disposição uma aventura adulta, épica e com uma conotação social, no mínimo, interessante.
Estava brutalmente enganado.
Ponto a ponto:
Viagem à utopia soviética
Atomic Heart dedica a sua primeira hora a tentar estabelecer-nos a premissa do seu mundo: estamos numa década de 50 alternativa, pós Segunda Guerra Mundial. Os soviéticos desenvolveram primeiro o poder do átomo, utilizando-o como fonte de energia renovável e segura, conseguindo um salto quântico em termos de evolução tecnológica.
Começamos por levar a nossa personagem, o agente P-3, a passear por um parque idílico repleto de pessoas felizes, megafones a anunciar um discurso do Dr. Sechenov, a mente por trás desta utopia e imensos robôs e androides de serviço.
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Os gráficos e o cenário de Atomic Heart capturam a nossa atenção, mas, à medida que P-3 e Char-Les (a luva com Inteligência Artificial na nossa mão esquerda) vão conversando, começa um certo desconforto. Ali, no início, é apenas como uma comichão passageira, à qual não chegamos mas que também não incomoda tempo suficiente.
É quando somos apresentados às mecânicas do jogo que esta comichão se torna mais persistente. O primeiro tutorial tenta ensinar-nos a utilizar o sensor para detetar inimigos atrás de barreiras, mas o texto falha em apresentar a combinação de botões correcta.
Portanto, se estiverem 20 minutos a carregar em todos os botões porque o jogo não vos deu a informação certa, não estão sozinhos. Porém, acabamos por relativizar. É um erro chato, de facto, mas de desatenção e provavelmente corrigido num update futuro.
Acontece que à medida que as 12 a 15 horas de jogo se vão desenrolando, percebemos que não só existem muitos mais erros, como a jogabilidade não se apresenta nem um pouco perto do que fora mostrado inicialmente e aquele desconforto inicial passa de uma piada falhada a um tom absurdamente machista e, em algumas secções, misógino e sexista.
A escrita no geral e o enredo no particular são absolutamente juvenis. Não vamos desmanchar as… enfim, “surpresas” que o jogo encerra mas temos várias personagens que desafiam as leis do mau gosto.
Computer says nyet…
Primeiro, as máquinas onde podemos comprar upgrades para o Char-Les e construir e melhorar as nossas armas são, aparentemente, robôs femininos que obtêm prazer “sexual” tocando na nossa personagem.
Depois, e porque somos convidados a explorar os vários níveis ao nosso dispor para encontrar recursos orgânicos e mecânicos para a gestão de ferramentas, também vamos encontrando alguns colecionáveis na forma de gravações em áudio dos vários cientistas que acabaram chacinados pelos robôs.
Aqui tanto passamos por gravações completamente supérfluas duma pessoa a pedir a outra para esperar enquanto termina um relatório, até gravações com um teor mais preconceituoso – como não reforçar o tom exageradamente flamboyant e feminino que o gestor do teatro aplica na sua fala?
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E se estes são apenas pormenores que podem ignorar, caso queiram apenas seguir em frente, a personalidade da nossa personagem, infelizmente, é obrigatória. P-3 tem a capacidade única de não só incluir três palavrões em cada frase da forma mais irritante possível, como a forma abrasiva e pouco natural com que aborda o desenrolar do seu destino e as personagens que vai encontrando poderia fazer parte duma estante poeirenta com VHS de filmes de ação B dos anos 80.
Não ajuda nada sermos confrontados, perto do clímax de Atomic Heart, com voltas e reviravoltas dignas de uma novela de horário nobre na TVI, sem nexo, sem preparação, sem peso… sem nada.
A própria jogabilidade acaba por se mostrar datada e, embora tenham ido beber – com fartura, sublinhe-se – à fonte de Bioshock para trazer uma boa variedade de poderes Polymer, como a capacidade de congelarmos inimigos, de criarmos escudos ou lançarmos líquido que aumenta o dano das armas elementais, nenhuma das combinações se sente boa no controlo.
A resposta kinética é absolutamente inexistente, quer estejamos a utilizar um machado, uma caçadeira, a lançar raios elétricos ou gelo. Não existe robustez ou sensação de peso em cada arma, nem uma reacção diferente por parte dos nossos inimigos à utilização destas ferramentas.
Podemos, de facto, atualizar tanto os poderes como as armas, mas os upgrades, embora visuais, acabam por acrescentar apenas em termos estatísticos de dano, porque a utilização sente-se praticamente a mesma.
Belo mas vazio
Atomic Heart ainda nos desafia a utilizar o mapa para encontrar os esquemas para construir determinadas armas ou upgrades, mas a UI é tão ilegível que se torna mais difícil sequer tentar utilizá-lo que suportar um “Crispy Critters” berrado pela enésima vez.
O mesmo para a utilização do inventário que tenta aplicar um sistema de Resident Evil na organização limitada de itens, mas que depois, por exemplo, não nos informa que só podemos ter um tipo de arma de cada vez, nem que só temos acesso aos restantes recursos guardados – como munições ou vida – se formos a uma das máquinas de upgrades.
E o problema absolutamente inegável do título da Mundfish é mesmo este: é, claramente, feito por pessoas que adoram videojogos e os ambientes e as ideias transmitem-nos isso. Mas a concretização consegue ser mais vazia de humanidade, talento ou arte que os robôs que habitam este mundo.
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Aliás, o design, comportamento e movimentos dos robôs são provavelmente a melhor parte do pacote. A forma como reagem aos tiros, como correm e se movimentam na nossa direção e a variedade e design intrincado de cada um elevam a experiência visual e auditiva de Atomic Heart.
Pena que a UX do jogo seja quase inexistente. Não existe qualquer indicador visual, auditivo ou até sensorial de dano – ouvimos tiros, percebemos que estamos a receber dano, mas é mais difícil procurar a origem dos golpes que simplesmente abandonar o combate e esperar que um dos robôs se torne visível.
E é uma lástima, porque se há coisa que Atomic Heart faz bem, é a construção ambiental: os cenários em si são credíveis, interessantes e despertam a nossa curiosidade para explorar e conhecê-los melhor. O problema está em termos que jogar Atomic Heart para o fazer, destruindo por completo o propósito.
Considerações Finais
Há um momento, em Atomic Heart, que o descreve na perfeição. Numa determinada fase do jogo, precisamos de encontrar um caminho alternativo para um espaço de exposição, que se encontra fechado.
Para lá chegarmos, temos que conseguir ativar um sensor que lança inimigos contra nós, num jardim repleto de câmaras e sentinelas. A dada altura o jogo envia-nos para um lago para resolvermos o puzzle.
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Ensina-nos mal como fazer o processo, e, no meio duma repetição absurda dos mesmos robôs durante longos minutos, podemos cair ao lago e… nem um efeito de poça. Como se fosse chão de outra cor.
Atomic Heart é isto. Um aspecto e design interessantes ao olho, até o jogarmos e percebermos que não passa tudo de uma ilusão. Provavelmente, o pior jogo que joguei em anos.