Dezoito anos depois, cá está ele: Shenmue 3
Quando Yu Suzuki disse que Shenmue 3 era um milagre, não estava a empregar mal a palavra nem tão pouco a ser falso modesto. Depois do dinheiro despendido com os dois primeiros jogos (com estimativas entre os mais altos de sempre da indústria), e das vendas de ambos os títulos não terem correspondido com o que foi empregue e ainda para piorar, com o fracasso total da Dreamcast, a hipótese de Shenmue 3 sair, sempre foi bastante baixa.
Apesar de tudo, a Sega não descartou de todo as ideias gerais de Shenmue, e aproveitou-as com Toshihiro Nagoshi, que também esteve no desenvolvimento de Shenmue, no título e série que mais tarde veio a ser conhecido como Yakuza, que durante vários anos foi comparado a Shenmue por variadíssimas razões. Contudo, a aposta na série de Yu Suzuki – Shenmue, nunca mais foi vista como viável.
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Os anos foram passando e as comunidades de fãs de Shenmue alimentavam a esperança de Shenmue 2 vir a ter a tão esperada sequela. Os inúmeros rumores que sempre circularam pela imprensa, os tópicos de discussão sobre a possibilidades, os debates de quem é que deveria seguir com a série, quais é que seriam as plataformas ideais. Foram vários as discussões, até que finalmente em 2015, através de uma campanha de financiamento no Kickstarter, Shenmue 3 tornou-se uma realidade, arrecadando uma marca de financiamento recorde e atingindo a marca de financiamento de um milhão de dólares da plataforma. E hoje, depois de todo este histórico atribulado, Shenmue 3 chega finalmente às nossas mãos.
Um breve regresso ao passado
De uma forma muito resumida para quem nunca teve uma primeira abordagem com a série, Shenmue é um jogo de ação, com fortes propósitos de exploração e aventura com inúmeros elementos de RPG. Saiu em 1999 para a última consola da Sega – a Sega Dreamcast, e marcou a geração de 128 bits, essencialmente por ter visuais incríveis, uma narrativa forte e um vasto elenco de personagens, forte sentido de exploração e interação com o meio, e ainda, memoráveis minijogos. A história apesar de simples, possui várias camadas e é preenchida com várias referenciais orientais e especialmente com ligações a artes marciais. Ryo Hazuki é o protagonista da série, um jovem bastante imaturo, mas que vai ganhando maturidade ao longo da jornada. Tem como principal objetivo vingar a morte do seu pai. O homem por detrás desse assassinato, é Lan Di, um indivíduo especialista em combate e é o principal antagonista da série.
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A trama é de facto bastante simples, mas o desenrolar de todo o processo de investigação é carregado de camadas, até porque o jogador terá de levar um jovem a procurar pistas de um dos maiores mafiosos da China. Ryo, vai conhecendo várias pessoas ao longo da jornada, irá ouvir muitas histórias e resolver muitas questões para ganhar informações em troca. Terá também de treinar, tanto o corpo como a mente, para superar as suas vulnerabilidades, e levará o jogar com ele. Estas são algumas das caraterísticas que marcaram a série.
A jornada continua a dois
Shenmue 3 começa logo imediatamente o fim do seu antecessor, com Ryo e Shenhua numa misteriosa gruta onde tentam compreender a ligação e o significado de dois espelhos lendários, e que de alguma forma também estão ligados ao homem tão procurado da série – Lan Di.
A aventura da terceira jornada passa-se na vila Bailu, na China rural, recheada de população envelhecida, mulheres e crianças. Os homens que não se dedicam ao treino e aos ensinamentos de artes marciais passam o dia todo a trabalhar fora. Shenmue 3 é um misto de sensações em termos visuais. Se por um lado há ambientes bonitos, com melodias tradicionais e com fortes inspirações orientais, vários moldes bem feitos e cores bem colocadas, por outro há personagens não tão bem desenhadas e com animações datadas. Esta dualidade de qualidade é absolutamente estranha, pois se por um lado dá a sensação de ser um jogo incrivelmente belo, principalmente em sítios escuros, com visuais bem refinados e detalhados, há momentos que rapidamente passa a sensação que Shenmue 3 é de facto de um jogo que deveria ter estado mais algum tempo em produção.
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Obviamente que a falta de polidez e de capricho de produção está relacionado com a falta de financiamento e com a ambição excessiva, o que para uma equipa que teve de começar praticamente do zero, todo o desenvolvimento se tornou certamente uma dor de cabeça. Mas apesar de algumas fracas animações, de alguns menus menos bem construídos e de algumas irregularidades e várias faltas de flexibilidade, Shenmue 3 tem tudo aquilo que fez a série se tornar uma saga de culto e que prevalece 18 anos depois.
A interação continua a ser elementar
Há muita vida pelos caminhos e pelas lojas. As conversas nem sempre são interessantes, informativas ou divertidas. Por vezes há conversas que poderiam ser simplificadas, principalmente quando se compra mais do que um produto numa loja, ou quando já se teve uma conversa com uma pessoa específica. A ausência de saltar algumas conversas também se faz sentir. Mas estas matérias, juntamente com os problemas dos visuais, fazem com que haja um misto de qualidade.
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Algumas destas particularidades também já estavam presentes nos títulos anteriores, portanto, qualquer fã de Shenmue não estranhará algumas conversas meio desajustadas ou comportamentos bastante robóticos e pouco naturais. Ainda assim, o balanço de questionar e receber respostas continua a ser bastante satisfatório, principalmente porque cada personagem possui um sistema de horário diferente, várias respostas diferentes e visualmente, são todas distintas, o que lhes dá vida, não se tratando de meros bonecos que se limitam a estar especados o dia inteiro numa zona. Em Shenmue, cada personagem tem uma rotina, tarefas diárias, e uma vida própria. E Shenmue 3 não deixou cair essa marca.
Treinar, treinar e treinar
Em Shenmue 3 apesar de manter a essência de um jogo de ação os elementos de RPG têm também uma maior importância. É necessário treinar, treinar e treinar. Pela frente vão estar algumas horas de treino de posição de cavalo, treinos de soco de uma polegada, ou ainda treinar o passo do galo. Os treinos têm de facto bastante impacto na jornada e isso para além de mostrar um autêntico progresso na resistência de Ryo, atribui um sentimento de satisfação ao jogador quando enfrenta ou derrota um oponente. De regresso estão também inúmeros minijogos e empregos que fizeram parte da imagem de marca da série. Será necessário ganhar dinheiro e o dinheiro gasta-se de forma obrigatória, com isso o jogador é retribuído com momentos de diversão, sendo obrigando a procurar formas de angariar fundos. Todas estas atividades são verdadeiros entretenimentos que prolongam a aventura e fazem distanciar o foco das árduas investigações. E o melhor? O melhor é que Shenmue 3 oferece a mesma autenticidade que esteve presente nos primeiros jogos.
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Os combates estão também mais ativos em Shenmue 3. As combinações e as habilidades possuem um peso mais importante juntamente com a resistência. Embora fosse necessário nos dois primeiros títulos evoluir bem e aprender boas habilidades para facilitar nos combates, em Shenmue 3 a progressão de Ryo faz-se notar verdadeiramente. Os QTE – Quick Time Event, também estão de regresso e colocados em momentos muito especiais, porém, um dos grandes defeitos de Shenmue 3, passa essencialmente pela velocidade com que são reproduzidos. Houve uma falta de atenção para a rapidez com que surgem as opções para serem executadas, e isso obriga praticamente o jogador a decorar as sequências para não ter de repetir, de forma injusta, todas as sequências.
Shenmue 3 traz toda a irreverência dos filmes da década de 80 de Kung Fu, e até mesmo o ambiente sonoro oferece essa envolvência. O trabalho de voz em japonês é incrível, e o trabalho bizarro em inglês, que de forma inexplicável ganhou o carinho dos fãs, também permanece como pedra e cal, fiel aos primeiros jogos. Assistir às transições entre o dia e noite continua a ser sensacional, assim como as mudanças de clima. A atenção ao detalhe de cada objeto é absolutamente sensacional, a exploração dos cenários é muito convidativa e com vários pontos-chave para serem observados. A exploração ao ar livre também oferece a atenção redobrada do jogador, pois poderá colecionar conjuntos de ervas para posteriormente vender ou trocar por objetos raros.
Considerações Finais
Shenmue 3 é o jogo que os fãs esperavam. Quem acompanhou e jogou os dois primeiros títulos, e esperou 18 anos pelo terceiro capítulo, não ficará desapontado. Shenmue 3 apesar de ter estado estes anos todos a ser cozinhado na cabeça de Yu Suzuki, transmite a sensação que foi produzido logo após o segundo título e guardado algures numa gaveta. E nem todas as séries conseguem fazê-lo com genialidade, sem perder as matrizes e valências como Shenmue 3 faz.
Shenmue 3 continua com a mesma premissa dos primeiros títulos, exige que seja jogado de forma lenta, que o jogador amadureça com a aventura, que viva com a jornada. Ainda assim, há alguns problemas que não passam despercebidos, os movimentos são demasiado presos, algumas animações datadas e com algumas falhas, menus pouco ajustados, e ainda, a velocidade dos Quick Time Event completamente desajustados.
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Quem não gostou dos dois primeiros títulos não irá gostar de Shenmue 3, pois há demasiados elementos que se mantiveram intactos para alegria dos fãs, mas se há quem esteja curioso e com vontade de perceber o fenómeno da série Shenmue, há bons resumos disponíveis no jogo e bem sintetizados com entrada direta para Shenmue 3.
N.R.: A análise a Shenmue 3 foi realizada numa PlayStation 4 com acesso a uma cópia do jogo, gentilmente disponibilizada pela Ecoplay