Análise Neversong

Imagina que acordas num quarto escuro. Ouve-se uma música. O piano ecoa pelas paredes, que parecem pulsar cada nota, cada vibração, como se ele desse vida ao quarto. Levantas-te, claramente desorientado, e a primeira visão que tens, fugídia, é de uma figura magra, negra e com um sorriso claramente exagerado, que abre a sua boca de dentes de forma a que saibas que aquele sorriso não é certamente amigável. Enquanto se explora esta primeira habitação, dás de caras com o piano que vai ter uma importância fundamental em toda esta experiência. Depois sais pela porta… E estás em Red Wind, a tua aldeia que assusta quem visita, mas que estimula quem a quer conhecer…

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Será Neversong um sonho de jogo de que não se quer sair, ou simplesmente um pesadelo interminável?

Eu sei o que fizeste neste coma passado

Peet e Wren são os melhores amigos, inseparáveis. Mas algo não está bem. Peet cai num coma profundo depois da sua melhor amiga, namorada dirão alguns,  ser raptada por uma entidade assustadora. Peet sofre imenso com o choque, ainda para mais porque todas as crianças que vai encontrando naquele pequeno lugarejo negro o culpam pelo seu desaparecimento, sendo bastante diretos ao acusá-lo. Red Wind é também uma aldeia onde as crianças reinam a seu bel-prazer, pois todos os adultos foram procurar a sua amada e não mais voltaram. Cabe a Peet desafiar este mundo diferente, cheio de inimigos assustadores e de desafios que obrigam a pensar, para tentar encontrar a sua mais que tudo Wren.

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Esta é a premissa de Neversong, um curto mas intenso jogo da Serenity Forge, onde Peet vai ter que investigar seis odiosos mundos dentro do seu mundo, enquanto o narrador vai rimando e alavacando a estória cada vez mais estranha e sem certezas, do que terá acontecido a Wren, avançando no conhecimento e recuando nos acontecimentos, ligando de forma bem conseguida o passado difuso e um presente pavoroso. O realmente assustador Dr. Smile, que parece ser o causador de toda esta celeuma, está sempre uns passos à frente de Peet e não se pode confiar em ninguém… Neversong é curto, como já foi referido, mas é daquelas obras que nos impelem a chegarmos ao seu término o mais rapidamente possível, pois toda a trama é intensa demais para se apreciar dez minutos por dia… Peet vai interagindo com as outras crianças que o parecem culpar, sem rodeios, do desaparecimento de Wren e lhe vão fornecendo pistas, embora menos do que se desejariam, para a personagem ir avançando neste enlace cheio de culpa e sem comiseração por atos que só ele não se lembra de ter cometido.

O negro é luz, o som é negro

Este é um jogo de temáticas negras, mas não deixa de ser lindo de apreciar e jogar. Os tons de sépia e preto que inundam todo o envolvimento de uma criatividade encantadoramente negra, secreta e assustadora. Toda esta manifestação inspirada de cor e movimento remete imediatamente para o mundo do bem conhecido realizador de Hollywood Tim Burton, conhecido por fazer o negro brilhar, embebido de uma serenidade inquietante. Os inimigos que vamos encontrando ao longo da nossa aventura em Red Wind oscilam entre os verdadeiramente queridos, apesar da sua paleta de cores estar restringida ao preto, contrastando com os horrores visuais que os bosses nos causam, marcando bem a diferença. Todos os menus acompanham esta temática negra, permitindo-nos ter acesso a alguma customização da personagem, através de itens que vão sendo descobertos em Red Wind.

A própria música de Neversong contrasta quase de forma bipolar com a sua forma efusiva e de seguida claramente funerária. É mais uma forma de realçar que todo este mundo contrasta entre uma aparente sanidade mental e um escorrer de loucura momentânea. Uma delícia.

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Aquele piano que vislumbramos logo no início desta louca aventura tem um papel preponderante na aquisição de novos poderes que nos vão permitir ombrear com os cada vez mais complicados inimigos e bosses: a cada novo inimigo mais complexo derrotado, são fornecidos pequenos trechos musicais que deverão ser tocados, desbloquando atualizações para o nosso taco de basebol. Nota artística para este pormenor de evolução.

Considerações finais

Neversong junta temas sensíveis numa sociedade púdica que fala cada vez menos do que realmente interessa e tenta desmistificar de forma bastante negra e divertida em partes iguais como seria essa sociedade sem subterfúgios, se toda a gente dissesse e culpasse o outro de algo tão grave como a possível morte de alguém, mostrando que a fragilidade dos humanos é transparente aos olhos de quem quer ver. É uma curta e bonita história de amizade, depressão, traição e superação de adversidades. De tema e ambiente negro, estranha-se um pouco que nos riamos de algumas das falas das loucas personagens que vamos encontrando ao longo do caminho para encontrar a companheira e melhor amiga Wren.

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Com alguns puzzles inteligentes para os quais não abunda informação e lutas de bosses com estruturas sempre diversificadas, Neversong é uma gelada rabanada de vento sombrio que nos desafia a cada momento e que nos permite ver a beleza no que de mais escuro podemos encontrar.

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Neversong é negro, belo, com bons puzzles e bosses e cheio de ambientes e diálogos que fazem lembrar Tim Burton, tocando ainda temáticas pouco exploradas em videojogos. Assustadoramente divinal.

 

+ História diferente

+ Ambiente e personagens deliciosamente negras

+ Abordagem crua da temática da culpa e da vergonha

– Poucas indicações do que fazer

– Armas limitadas

– Bastante curto

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N.R.: A análise a Neversong foi realizada numa Nintendo Switch com uma cópia do jogo, gentilmente disponibilizada pela Evolve PR .

Paulo Tavares: Professor de ocupação, jogador por diversão. Guarda religiosamente as cassetes do seu Spectrum 128k. Leva demasiado a sério a discussão de melhor Final Fantasy. 7, fim de conversa.
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