Análise Blacksad: Under the Skin

O jazz negro ecoa pelas paredes da cidade. Os anos cinquenta são duros, pejados de sensualidade e crime. As figuras quase antropomórficas de várias raças e espécies animais são vis, cruéis, com o desígnio de não pararem para pensar nas consequências dos seus atos, vivendo na sombra fugídia da lei… John, o nosso anti-herói, é um gato que ganha a vida como investigador privado, deslindando podres da sociedade e desmascarando desde maridos infiéis a homicídios de boxeurs… Ninguém disse que era um trabalho fácil e limpo. A sujidade moral faz parte da vida diária de John, e ele é o homem certo para a expor. Pelo preço certo.

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Será que Blacksad: Under the Skin tem qualidade para pegar onde as sagas Mafia e LA Noire ficaram? Ou temos aqui um jogo que tem claramente um caso de “demasiada areia (de gato) para a camioneta”?

TellTale mas nem tanto

As contas começam a acumular no pequeno escritório bafiento de John Blacksad, felino investigador a soldo, que balança nas suas decisões de negócio entre o correto e limpo, que lhe dá pouco que ganhar, e o lado menos leve da vida, como a sua primeira investigação: um marido rinoceronte tenta atacar o nosso investigador privado depois de ele ter tido acesso a fotos comprometedoras suas, quando a sua esposa o mandou seguir… A sua mulher não pode ter conhecimento disto, e Blacksad acaba por ter que tomar uma decisão de consciência: aceita o suborno para não divulgar as fotos do famigerado brutamontes unicorno, ou revela-as à sua mulher traída. Boa escolha moral, sim, mas infelizmente com pouca influênica no outcome das rendilhadas histórias.

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E aqui é algo em que os developers perdem nesta sua aposta de se tentar colar ao universo  de jogos como os criados pela Telltale Games ou mesmo títulos como Detroit: Become Human. As escolhas estão lá, somos avisados que as personagens lembrar-se-ão das nossas decisões (como acontece nos jogos da editora que aperfeiçoou este sistema), mas aquilo que decidimos é rapidamente esquecido por todos. Ficamos com a impressão de que as escolhas, apesar de parecerem desafiantes e nos fazerem certamente pensar, não influenciam o desenrolar da ação. E isso acaba por ser um grande turnoff

Trio da desgraça

Em termos de performance, Blacksad: Under the Skin consegue levar alguém ao desespero. Esperava-se que fosse mais pela narrativa apertada e desafiante, ou pela procura incessante de pistas que pudessem levar ao resolver de mais um crime, mas não. Os problemas técnicos quase me fizeram desistir, apenas o amor que tenho a esta saga de novelas gráficas, ao seu mundo sui generis e a escrita de certa forma inteligente não me permitiram. Mas confesso que foi por pouco. Os tempos de loading de dois em dois minutos, os bugs que me deixavam preso numa casa de banho, os crashes que me levavam sempre de volta à mesma fase do jogo num loop constante… Foi demais.

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Esta análise peca por tardia, porque, na minha inocência, esperei o mais que pude por um possível patch que resolvesse alguns destes problemas e me permitissem apreciar esta curta experiência de forma mais aprazível. Mas tal como casos simples não são dados a John, a resolução deste meus problemas também não apareceu. Problemas que parecem subsistir nas diferentes versões do jogo. No PC as complicações são semelhantes, e parece que na Nintendo Switch tudo permanece na mesma.

Jogo de aventura que se aventura pouco

Podemos considerar que Blacksad: Under the Skin é um jogo de aventura, mas a que faltam algumas coisas positivas trazidas ao longo dos anos para este género. John desloca-se a cada uma das localizações e interage com pequenos pontos de interesse, onde observa atentamente frases nas paredes ou apanha pequenos itens que servirão de pistas ou de moedas de troca com outras personagens.

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Os diálogos ou interações que se desencadeiam aquando destes pequenos focos chegam a ser interessantes, mas não deixam de ser somente uma espécie de experiência point and click. Full Throttle e Grim Fandango continuam a ser expoentes máximos desses tempos que não voltam mais, e que eu venero. Mas em Blacksad: Under the Skin esta experiência parece ser simplista, onde por vezes o esforço dispendido a apanhar aquele item desaparecido na cidade não tem a recompensa esperada. Aliás, se nos movimentarmos demasiado depressa, algo que parece de certa forma surpreendente tendo em conta as vezes que fiquei preso em diferentes locais, corremos o risco de perdermos algum desses itens, tornando a experiência de procura um pouco chata e repetitiva.

Não pretendemos um jogo óbvio, mas queremos que tudo o que procuramos esteja bem identificado e Blacksad: Under the Skin não faz isso bem. Temos todo o tempo do mundo para procurarmos os pontos de interesse, mas o gato devia despachar-se mais rápido… Não há atalho para correr e Blacksad desloca-se à velocidade do queimar de um charuto. Enerva. E muito. Para além de tudo isto, os diálogos não se podem saltar, nem as cutscenes.

Gato-sapato investigativo

A parte investigativa faz com que o jogo se desenrole. Conjugando as pistas que se vão encontrando com os interrogatórios na sua multitude de perguntas que podemos fazer são uma das partes mais divertidas desta aventura.

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Os factos misturam-se com a opinião, o feeling de John Blacksad em relação ao que se passa. É aqui que temos oportunidade de moldar a nossa personagem, mediante as nossas escolhas, sejam elas mais empíricas e baseadas em factos, ou totalmente do nosso gut feeling. Decisões essas que têm de ser tomadas em poucos segundos e que nos fazem arrepender, quando uma das testemunhas que pensamos ser sim o culpado, é apenas um inocente que julgamos erradamente, como tantas vezes acontece na vida real. Tal como nós, John é humano (mais ou menos) e erra…

Considerações finais

Para um apaixonado da banda-desenhada como eu, a pancada é grande. O mundo é fiel ao criado pelos seus escritores e desenhadores, e senti-me várias vezes transportado para lá, com vontade de me tornar o sidekick que John parece nunca precisar.

Mas a realidade esbarra connosco à velocidade de um rinoceronte em passo de corrida ou duma chita com uma saia bem curta. O jogo precisa de ter mais carinho por parte de quem o publicou, porque a experiência é completamente assoberbada pelos seus inúmeros problemas. Não temos qualquer problema com o facto de e tratar de um jogo curto… Mas já compatibilizamos pelo menos vinte em que apenas tentamos jogar, entre bugs que me impedem de continuar, crashes e ragequits devido a estes problemas.

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John Blacksad merecia mais, muito mais. Não lhe bastou perder a sua amada, como agora vai perder jogadores em todo o mundo. Perde-se uma excelente oportunidade de dar a conhecer estes EUA dos anos cinquenta, com um toque elegante de film noir.

N.R.: A análise a Blacksad: Under the Skin foi realizada numa PlayStation 4 com acesso a uma cópia do jogo gentilmente cedida pela Microids

Blacksad: Under the Skin - Um mundo imersivo mas com graves falhas
Reader Rating0 Votes
Mundo fiel ao comic
Personagem principal bem trabalhada
Diálogo bem conseguido
Tempos de loading a toda a hora
Quebra de frame rate e bugs aos montes
Temos que ver todas as cutscenes, mesmo que não queiramos
2.5
Paulo Tavares: Professor de ocupação, jogador por diversão. Guarda religiosamente as cassetes do seu Spectrum 128k. Leva demasiado a sério a discussão de melhor Final Fantasy. 7, fim de conversa.
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