A receita para uma boa sequela é simples na teoria, complexa e minunciosa na prática. Ao prato original, equilibra-se os condimentos em falta, acrescenta-se um sabor complementar e por fim, corrige-se o tempo de preparação. Dá a sensação que a Asobo Studios, talvez surpreendida com o sucesso crescente e gradual do primeiro Plague Tale, decidiu acrescentar tudo em grandes quantidades… mas sem provar o antes de o servir.
Uma cidade diferente, os mesmos problemas
Voltamos a acompanhar Amicia e Hugo, extraídos do clímax do primeiro jogo. A paz e tranquilidade duram, aproximadamente, 20 minutos de jogo até nos depararmos com o primeiro elemento nocivo – uma família de apicultores a punir violentamente ladrões – e somos deixados a resolver o cenário.
A jogabilidade mantém-se praticamente inalterada, mas mais afinada. O jogo pede-nos para, em situações cada vez mais espinhosas, encontrarmos um caminho seguro para nos esgueirarmos e conseguirmos levar Amicia e Hugo ao destino de forma segura. De regresso está também a fiel fisga, capaz de imobilizar ou matar soldados, agora preparada com vários tipos de munição diferente: elementos inflamatórios, outros que eliminam o fogo, que encandeiam e que funcionam como combustível.
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Estes elementos vão sendo introduzidos de forma bastante faseada, quase sempre em sequências de três. Começamos com um desafio fácil, com poucos inimigos, depois um momento mais complexo, mas ainda de fácil resolução e por fim, o cenário real, quase como se fosse a avaliação do nosso conhecimento.
Esta filosofia de design é segura e resulta bem, quando aplicada de forma reduzida e não muito declarada. Acontece que a Asobo faz tudo menos isso. Cada um dos cenários com inimigos é concluído quando alcançamos, geralmente, uma porta ou passagem ou alçapão, que nos passa para a mesma animação da Amicia a fechar a passagem aos inimigos, com a câmara aproximada, uma e outra vez.
Num jogo arcada, cujo propósito fosse a progressão por níveis e o pedido fosse a nossa compreensão dos desafios e o puro deleite de avançar nível a nível, estaria tudo ok. O problema é que a ambição de Plague Tale: Requiem tenta posicioná-lo como uma aventura grande, narrativa, ao estilo dos exclusivos da Playstation Studios, sem aperfeiçoar o equilíbrio que as aventuras de Drake, Ellie ou Kratos alcançam.
Tudo o que é demais, enjoa
E esse é, perdoem-me o trocadilho menos simpático, o pecado capital desta sequela. No esforço para criar um título e uma experiência que mantenha a base da primeira versão, acaba por cair no fácil engodo de aumentar a duração apenas por aumentar. E neste jogo, com aproximadamente 20 a 25 horas de duração, é fácil começarmos a sentir alguma exaustão quando encontramos a 47º versão do mesmo cenário aberto, repleto de ratos ou de soldados.
Não me interpretem mal, no entanto. O stealth continua bastante sólido e muitos dos puzzles e propostas de cenários são altamente aliciantes. Requiem oferece-nos vários caminhos para a mesma solução, oferecendo agora ferramentas necessárias para que a Amicia se possa tornar uma guerreira letal.
Este crescimento vem com uma skill tree muito básica, que se nivela sozinha consoante as nossas ações, o que embora traiçoeiro porque não nos permite perceber ao certo quão longe estamos de nivelar, ajuda-nos a ter uma vertente de melhoria orgânica, associada diretamente à forma como jogamos.
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Hugo, a pequena criança afligida pela Praga, também desenvolve capacidades novas ao longo da aventura e daqui nascem alguns dos melhores momentos deste jogo, até pela relação que os dois irmãos vão construindo. Por vezes pode tornar-se mais ou menos confuso qual é, na realidade, o grau de visibilidade dos inimigos ou a distância a que os ratos não nos atacam, mas são apenas pequenos detalhes de afinação que acabam por não influenciar extraordinariamente a experiência geral.
Amicia, uma heroína de respeito
Na verdade, o ponto mais forte de Plague Tale: Requiem é Amicia. O arco narrativo dela, de irmã assustada e extremosa para uma potencial serial-killer pode parecer pouco natural e em alguns momentos, de facto, atinge alguns picos sem que lhe tenha sido construída a base. Porém, é ao mesmo tempo das personagens mais francas atualmente nos videojogos e uma representação tão interessante da violência emocional que milhares de jovens mulheres sofrem a crescer.
Amicia, para contexto, foi privada de uma infância normal. Primeiro, pela responsabilidade na família De Rune, por ser a mais velha, depois por ter a seu cargo o irmão mais novo, doente e incapaz de lidar com a realidade do mundo, sem ter o apoio dos adultos, a seu lado. Amicia fora obrigada a ser uma adulta capaz de cuidar de si e eliminar agressores, quer do clero, quer do exército. Obrigada a criar uma bolha de realidade alternativa para Hugo, para que ele pudesse manter uma fração da sua inocência tendo em conta tudo o que se passa à volta. E, para além disto tudo, é ainda obrigada, tanto pela mãe como por Lucas, a comportar-se como a sociedade lhe exige, sem poder ser ela própria ou ter qualquer tipo de apoio, ou escape para as suas emoções.
Nesse ponto, embora moralmente incorreto, é justificável tornar-se cada vez mais letal, cada vez mais explosiva, cada vez mais repentina nas suas ações. O que para um rapaz, seria apenas uma fase, para Amicia é não qualificado e errado. E é através da performance emocionante e intensa da atriz na língua francesa que Amicia se torna ainda mais plausível. Se aguentei as 10 horas a mais que o jogo tem, foi graças a Amicia e à vontade de lhe levar, enfim, algum conforto.
Considerações Finais
A Plague Tale: Requiem tem tudo em maiores quantidades, comparado ao antecessor. Maior duração, gráficos de cortar a respiração (testámos na Series X e foi um deleite do início ao fim), valores de produção muito altos e uma história muito mais ambiciosa e arrojada. No entanto, é literalmente isso: mais e mais ingredientes metidos dentro do tacho que vão saciando às primeiras colheradas, mas começam a enfartar, ainda vamos a meio.
E o pior é que este aumentar escrupuloso de ingredientes – o jogo tem, a meu ver, mais 10 horas do que devia – acabamos por deixar meio escondidos ou sem realce os sabores que de facto o tornam especial, como a relação entre Amicia e Hugo, o arco narrativo da protagonista, o impacto emocional e mecânico da segunda metade do jogo.
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Não há aqui nada que torne Plague Tale: Requiem um mau jogo, muito pelo contrário. Infelizmente, também esteve uns furos abaixo de se tornar especial. A esperança é que a Asobo aprenda com esta receita e decida, caso se arrisque a cozinhá-la de novo, a encontrar o equilíbrio entre as duas propostas.