O ano ainda não chegou ao fim, mas já sabemos qual foi um dos principais protagonistas de 2016: a realidade virtual. A chegada dos Oculus Rift, dos HTC Vive e posteriormente dos PlayStation VR relançaram a tecnologia que já tinha tentado vingar no passado e não conseguiu.
“Agora temos tecnologias e gráficos que nos permitem ter um maior sentido de imersão”, foi o motivo dado pelo diretor tecnológico do Facebook, Mark Schroepfer, relativamente à razão de acreditar que agora sim, este é o momento da realidade virtual.
Mark Schroepfer tem razão. Existem experiências que já proporcionam um bom grau de imersão, mas a verdade é que ainda existem vários elementos que não permitem proporcionar uma experiência verdadeiramente transcendente.
Por um lado, a qualidade dos ecrãs dos óculos de realidade virtual ainda ‘não está lá’; por outro, existem problemas relativamente às mecânicas físicas das experiências que provocam enjoos nas pessoas; e depois há ainda a questão dos controladores.
Conduzir um carro em realidade virtual com um comando na mão não é imersivo. Trepar uma parede com um comando na mão não é imersivo. Apesar de existirem controladores dedicados como os dos HTC Vive ou os Oculus Touch, estes periféricos nem sempre estão em sintonia com o jogo ou a experiência que estamos a viver.
E se pudéssemos simplesmente mexer as nossas próprias mãos, sem objetos, para mexermos as mãos virtuais? E se pudéssemos fazer o movimento de que estamos a agarrar um objeto na vida real e estamos de facto a agarrar um objeto no mundo digital? Não há nada mais natural do que o movimento das mãos, portanto as mãos são os controladores mais imersivos que existem para as experiências VR.
Quem o diz é o diretor executivo da Leap Motion, Michael Buckwald. Junto-me a esta defesa depois de ter experimentado a demonstração Orion que a empresa tem estado a promover. Já experimentei os principais dispositivos de realidade virtual – à exceção dos Google Daydream View e dos Oculus Rift com os Oculus Touch – e nada se aproxima do realismo do Project Orion.
Fica aqui um vídeo para perceber como funciona.
O Leap Motion é um pequeno dispositivo que faz a leitura do posicionamento e do movimento das mãos. Nesta experiência o periférico estava colocado na parte frontal de uns Oculus Rift. Com os dados recolhidos o dispositivo consegue comunicar com o computador em tempo real para criar uma experiência realidade-digital quase sem latência.
Nesta demonstração podemos criar alguns objetos sólidos, podemos atirá-los, podemos rodá-los, podemos controlar elementos físicos como a gravidade, podemos fazer um conjunto limitado de tarefas. E tudo parece de facto real pois o que vemos diante dos nossos olhos no mundo digital é o que estamos a fazer com as nossas mãos no mundo real.
Entrar nesta demonstração Orion é como abrir uma caixa de legos para adultos. Depois de começarmos a mexer, não queremos largar.
Um novo rumo
O encontro do FUTURE BEHIND com Michael Buckwald e Caleb Kruse, responsável pela equipa de desenvolvimento da Leap Motion, deu-se durante o Web Summit 2016.
A Leap Motion está diferente, não há como o negar. Há cinco anos quando a empresa apareceu no mercado com o seu dispositivo de interação touchless, estava focada na interação com o PC. Agora a tecnológica está a apostar acima de tudo no segmento da realidade virtual e da realidade aumentada. Porquê? Porque a interação das mãos vai ser fundamental nestes universos.
“Apercebemo-nos que as nossas mãos e dedos são poderosos, fazemos coisas com as nossas mãos milhares de vezes por dia. Para nós é como uma segunda natureza, não paramos para pensar em como é mágico. Mas se pensarmos o que envolve em pegar num copo e beber a partir dele, todos os milhões de movimentos microscópicos, é mágico”, começou por dizer o CEO da Leap Motion.
Já foram comercializados mais de 500 mil Leap motion, adiantou o CEO
Michael Buckwald explicou que a visão original da empresa sempre foi criar um método de interação que torna-se mais natural a interação com o computador.
“Queríamos construir o nosso próprio dispositivo para controlarmos o nosso próprio destino. Sabíamos que não conseguiríamos fazer uma melhor experiência do que os botões num sistema operativo, porque esse foi o paradigma atingido há 30 anos. Mas sabíamos que existiam ferramentas que não eram boas com o teclado e o rato no PC. Como o Google Earth, o design 3D ou criação de música”.
“O que é excitante para AR e VR é que existem novos espaços onde muita da interação básica ainda pode ser determinada agora. Por exemplo: como as pessoas constroem os seus sistemas operativos ou inicializadores de aplicações. Agora estão educadas para o menor para o denominador comum de interação, que é o comando da Xbox ou head clicking. Não é assim que o VR deve ser, obviamente”, atirou depois.
A proposta de Michael Buckwald é o uso das mãos como ‘comando’ principal para as experiências imersivas. O que viu mais acima na experiência Orion pode ser integrado noutros equipamentos e noutras experiências de realidade virtual. Na prática a Leap Motion está também a desenvolver uma componente de software que pode ser usada como plugin para conhecidos motores de desenvolvimento, como o Unreal Engine. Desta forma os programadores conseguem garantir que os seus jogos são compatíveis com uns óculos de realidade virtual acompanhados de um Leap Motion.
Além da questão dos movimentos as mãos também têm outra vantagem: o utilizador não precisa de carregar consigo comandos, bastões ou outros periféricos se quiser levar uma experiência de realidade virtual para fora de casa. A interação das mãos será por isso vital para o sucesso da realidade virtual móvel – a segunda fase da evolução do segmento e que já começa a ganhar vários projetos da Qualcomm, da Alcatel, da Intel e também do Facebook.
Atualmente o Leap Motion garante um campo de visão de 180º na vertical e na diagonal
O CEO da Leap Motion está convencido que os primeiros dispositivos vão sofrer alguma resistência pelo simples facto de não haver um método de interação apropriado para estes headsets sem fios.
“Vamos ver que não existe uma boa seleção de inputs. Não podes ter um comando ou um volante, mas tens as mãos sempre contigo. (…) A outra metade da equação [além dos óculos em si] tem de ser o input e tem de ser as mãos”. “Pensamos que à medida que o mercado fica maior e vai em direção ao mobile, no VR e na AR, a necessidade pelas mãos também vai aumentar”, concluiu.
No meio desta evolução será o conceito de naturalidade o elemento chave para convencer os consumidores.
“Ser natural. É nisso que acreditamos para o próximo paradigma físico. Muitas pessoas usam a palavra gesto, quando estão a falar do espaço. Na nossa opinião o gesto é como um sinal linguístico, algo que tens de aprender e memorizar. Isso não resolve o problema que falávamos no início, não é diferente do que pressionar a tecla ESC para sair de uma janela. O facto de que com o Leap Motion é tudo direto e físico, um para um, pensamos que isso é controlo de movimento e é por isso que as pessoas não precisam de sentar-se e aprender”.
Cabeça a prémio
Mesmo que nem todos reconheçam a espetacularidade da tecnologia que a Leap Motion está a desenvolver, no mínimo é preciso reconhecer-lhe um grande potencial. A realidade virtual e a realidade aumentada vão ser mercados de vários mil milhões de dólares nos próximos anos.
Sabendo que a Leap Motion faz sentido para o que se avizinha nas próximas etapas destas tecnologias, perguntámos a Michael Buckwald se a empresa já recebeu propostas de aquisições.
“Tivemos muito interesse na empresa ao longo dos anos. Este é um pedaço de tecnologia fundamental que qualquer um pode ter nos seus dispositivos. Penso que ainda queremos ser uma empresa independente durante um longo tempo”, respondeu.
“Agora podemos providenciar esse valor a uma empresa e a um dispositivo ou então a todos os dispositivos. Queremos fazer isso não só para fazer mais dinheiro, mas porque acreditamos mesmo que o mundo será melhor, os programadores serão melhores, as crianças vão aprender melhor”, acrescentou depois o CEO.
A Leap Motion tem uma comunidade de 300 mil programadores
O modelo de negócio que a Leap Motion quer seguir daqui para a frente é baseado em parcerias com fabricantes de hardware para que integrem o Leap Motion de origem nos óculos de realidade virtual e aumentada. A estrutura do Leap Motion per si é pouco maior do que um palito embalado, causando por isso um baixo impacto no aspeto geral dos dispositivos. O grande segredo, esse, está do lado do software.
“Connosco o segredo nunca foi o hardware, sempre foi o software. Os módulos são câmaras e LED comuns. Como não é proprietário não nos importamos de ter parcerias com fabricantes na China”, esclareceu Michael Buckwald.
Ou seja, qualquer empresa pode comprar um módulo Leap Motion diretamente à Foxconn e não à Leap Motion, mas terá sempre de ir bater à porta da empresa para licenciar o software. “Porque tudo é software, também podemos enviar updates. Da mesma forma que os mesmos periféricos de há cinco anos, funcionam exatamente como as novas peças de hardware em 99,9% dos casos”.
Já no próximo ano deverão chegar perto de 12 equipamentos de realidade aumentada e virtual totalmente independentes, com o CEO da Leap Motion a esperar que pelo menos metade já tenha a sua tecnologia integrada.
“Queremos ver a nossa tecnologia a ser integrada numa grande variedade de dispositivos AR e VR no próximo ano”.