O mobile é a tendência, mas a Microsoft continua a apostar nos computadores.
Há quatro anos que ouvimos falar no Surface Phone, o telefone que supostamente virá salvar ou revitalizar o mau desempenho que a Microsoft tem vindo a registar no segmento dos smartphones. Mas vai passar mais um ano e continuamos sem sinais deste hipotético equipamento.
O Surface Phone está por isso a transformar-se no D. Sebastião da Microsoft: neste momento é uma lenda, um mito, mas continua a haver a expectativa de que este dispositivo um dia chegue não para salvar a nação, mas para salvar o Windows no segmento mobile. Talvez seja numa manhã de nevoeiro, talvez não.
Dizer que o futuro é mobile é um pouco clichê pois, na realidade, o presente é mobile. Ainda assim a Microsoft continua a preferir apostar no futuro do PC.
Lançados em novembro de 2015, o Lumia 950 e Lumia 950 XL foram os últimos smartphones topo de gama da Microsoft
A questão é que à medida que a Microsoft vai reforçando a sua aposta nos computadores, vai dando de forma indireta algum alento à ‘lenda’ do Surface Phone.
Basta olhar para o bom trabalho que a Microsoft fez em três segmentos distintos: tablet Surface, portátil Surface Book e desktop Surface Studio. São todos equipamentos poderosos, modernos, visualmente apelativos, vanguardistas e que colocam uma imensa pressão na concorrência.
Na semana passada choveram comparações entre o estado anímico atual da Microsoft e da Apple no desenvolvimento de novo hardware. Na imprensa especializada as palavras têm sido maioritariamente favoráveis à Microsoft pois a tecnológica tem corrido um risco maior e fruto disso tem apresentado equipamentos mais diferenciadores.
A questão que muitos fãs do Windows 10 Mobile certamente têm colocado é: ‘Já viram bem o trabalho que a Microsoft está a fazer? Imaginem agora se eles produzissem um Surface Phone’.
Seguindo a linha dos restantes produtos Surface, seria certamente um equipamento-bomba. Então porque não avança a Microsoft com um Surface Phone, ou vá, um Microsoft Lumia?
O problema não está na capacidade de produção de hardware, está antes no problema do software. Já aqui falámos do estado debilitado do Windows 10 Mobile como plataforma. A própria Microsoft não dedicou dois minutos de tempo de antena ao sistema operativo na sua última apresentação.
Os resultados mostram que o Android e o iOS não deixam margem para outras alternativas no mercado.
Ao contrário do Windows 10 Mobile, o Windows 10 para computadores está a ter um desempenho positivo. Uma boa fatia dos 400 milhões de dispositivos que têm o sistema operativo será certamente composta por computadores – não há dados oficiais relativamente à discriminação por tipologia de equipamento.
O Windows 10 está a posicionar-se não só como um sistema operativo de trabalho, está também a posicionar-se como um sistema operativo de criatividade, de entretenimento, de realidade aumentada e de realidade virtual.
Isto para dizer que todos os esforços de hardware relativamente ao desktop e a categorias emergentes de produtos – como óculos de realidade virtual – fazem mais sentido do que produzir um smartphone.
A própria Microsoft já disse mais do que uma vez que a sua estratégia agora não passa tanto por alimentar o Windows 10 Mobile, passando antes por garantir que os seus principais serviços – Office, OneDrive, Skype, Cortana – estão disponíveis nas plataformas mais populares e em constante evolução.
No segundo trimestre o Windows representou 0,6% das vendas de smartphones, dados da Gartner
Os dispositivos Surface têm servido como as melhores montras para mostrar aquilo que o Windows é capaz de proporcionar ao nível da experiência de utilização. Não que o Windows 10 Mobile seja pouco capaz, mas o fraco ecossistema de aplicações e também de parceiros de hardware muito provavelmente não justifica o desenvolvimento de um Surface Phone.
Pelo menos não nesta altura. Talvez se o Surface Phone tivesse sido de facto apresentado em 2013, talvez o hardware tivesse ajudado a empurrar o software e vice-versa. É o que a Apple faz há anos. É o que a Google está a começar a fazer.
O exemplo da Google acaba por ser interessante pois é uma prova de como uma empresa sem grande experiência na produção de hardware pode de um momento para o outro fazer uma afirmação arrojada. O Google Pixel representa neste momento para a Google o que o Surface representou para a Microsoft em 2012.
Se a Google consegue fazer o seu primeiro smartphone – e um dos melhores do mercado – no final de 2016, certamente que a Microsoft também o conseguiria. Mas a Google tem muitos mais motivos para querer ter um smartphone do que a Microsoft.
Da mesma forma que sabemos que houve de facto um Surface Mini, mas nunca chegamos a ver um, talvez chegue o dia em que se confirme que o D. Sebastião da Microsoft era muito mais do que uma lenda.