Vivemos uma fase de indefinição. Cada vez mais e mais pessoas estão a usar ferramentas que bloqueiam anúncios e isso coloca em causa a sustentabilidade de uma boa parte da internet como a conhecemos.
No segundo trimestre de 2015 já existiam 77 milhões de utilizadores europeus de internet que tinham ativado um software bloqueador de anúncios, de acordo com um estudo da PageFair. Esta mesma empresa, especializada no estudo dos adblockers, disse já este ano que o número de pessoas em todo o mundo que bloqueavam anúncios através do smartphone ascendia a 419 milhões.
Uma outra investigação, do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo publicada este ano, diz que em Portugal 26% dos internautas já usam um bloqueador de anúncios, o que coloca os portugueses no oitavo lugar dos que mais usam adblockers.
Há mais dados de referência, como os da IAB, A IAB, associação que representa empresas de conteúdos e comunicação interativa digital. Num relatório recente referia que 26% dos utilizadores de internet no desktop já bloqueavam anúncios e que em ambiente mobile o valor é de 15%.
Conclusão? Os números parecem não enganar e as pessoas estão de facto de costas voltadas para a publicidade online.
Até 2015 os adblockers tinham ‘tirado’ 22 mil milhões de dólares aos sites e publicações online
Quem bloqueia anúncios tem vários motivos para o fazer: ajuda a reduzir o consumo de dados; acelera o carregamento das páginas de internet; desliga por completo anúncios intrusivos e que ao longo dos dias chegam a tornar-se irritantes; também ajuda a melhor a segurança e aumenta um pouco a privacidade online.
Dito assim parece que a grande pergunta à qual resta responder é ‘por que razão os adblockers não são usados por todas as pessoas?’. Para quem sofre com estes bloqueios a resposta é simples: se assim fosse então estariam a matar o grande sustento da internet.
É a publicidade online quem permite sustentar sites, plataformas e redes sociais. E tanto podemos falar dos serviços da Google, do Facebook ou do Twitter, como podemos falar de meios comunicação como o The Washington Post, o The Guardian e até o FUTURE BEHIND.
Quem tem afinal razão? Haverá desfecho para esta batalha? Se em certa medida os meios de comunicação e outros sites estão a ser vítimas dos seus próprios abusos – durante anos veicularam publicidade intrusiva -, por outro lado os utilizadores podem estar a condenar os sítios que gostam de visitar por estarem a impedir, literalmente, que estes tenham faturação.
Estamos no meio de uma guerra e a semana passada trouxe aquele que foi um dos episódios mais quentes até ao momento.
Um tango entre Facebook e Eyeo GmbH
Nos últimos dias deu-se uma disputa interessante entre a rede social e a empresa que gere a ferramenta de bloqueio de anúncios Adblock Plus. A primeira jogada pertenceu ao Facebook que anunciou a todo o mundo ter arranjado uma forma de mostrar publicidade aos utilizadores mesmo que estes tivessem ativados os adblockers.
Foi um avanço importante para a tecnológica norte-americana pois no início do ano tinha até admitido que as práticas de adblocking estavam a ter um impacto negativo nas receitas da empresa.
Mas esta vitória foi sol de pouca dura. Apenas 48 horas depois a Eyeo GmbH anunciou uma atualização ao seu software que já corrigia a capacidade de o Facebook contornar o bloqueio – isto é, os conteúdos publicitários passavam a estar todos novamente bloqueados.
O Adblock Plus surgiu em 2006, mas é nos últimos anos que a sua popularidade mais tem crescido
O Facebook não se ficou e ontem, 12 de agosto, voltou à carga com uma nova alteração no seu sistema de publicidade que permite contornar os bloqueadores de anúncios. Enquanto lê este artigo já os engenheiros e a comunidade open source do Adblock Plus devem estar prestes a anunciar uma ‘contraproposta’.
Este caso é importante pois cada um representa uma fação diferente: o Facebook os publicitários/quem vive da publicidade e a Adblock Plus os bloqueadores/utilizadores que usam bloqueadores.
Para o Facebook é muito importante sair vencedor desta guerra pois 97% das suas receitas são geradas a partir da publicidade mostrada na rede social. Por outras palavras, se o Facebook perde esta guerra vai estar a perder dinheiro.
Esta parece uma boa altura para recuperar um velho rumor da internet: ‘dentro de 15 dias o Facebook vai passar a ser pago‘. E se em vez de um rumor esta fosse de facto uma decisão verídica? [N.R.: não é]
Se as pessoas não estão dispostas a ver os anúncios que sustentam as plataformas, sustentam as empresas e garantem o emprego a milhares de pessoas em todo o mundo, então é porque estão dispostas a pagar por esse conteúdo. Será?
Em parte sim. O mesmo estudo feito pela IAB revelava que 22% dos utilizadores estão dispostos a desligar o bloqueador de anúncios em troca de conteúdo de qualidade e original. Apesar de haver essa intenção, não é certo se quando chegasse a hora de desligar os adblockers as pessoas o fariam.
Talvez um jornal online até segue esta estratégia de produzir mais conteúdos de qualidade e seguir menos a agenda geral, mas outros sites não o farão. Isto significa que o utilizador teria de criar uma permissão especial para que os anúncios daquele jornal fossem mostrados. E todos já sabemos que ou as funcionalidades na internet e nas novas tecnologias são de fácil acessibilidade ou simplesmente as pessoas vão continuar com a sua vida – leia-se, vão continuar com os bloqueadores ativos.
A originalidade dos jornais
O Facebook entrou nesta luta agora, mas as publicações online de referência há muito que estão a lutar contra os bloqueadores de anúncios. Os jornais vivem quase exclusivamente da publicidade e por isso não têm tido meias medidas na luta contra os adblockers: se não querem ver a publicidade então têm de pagar pelos conteúdos.
Para sensibilizarem os utilizadores tem sido feito de tudo um pouco. A revista Wired, por exemplo, criou um modelo de subscrição básico que remove todos os anúncios desde que os utilizadores paguem um dólar por semana. Se não pagarem e se bloquearem os anúncios, então não há conteúdos.
Durante o mês de junho o The Financial Times começou a apagar palavras dos textos para quem tinha bloqueadores de anúncios ativados, ou seja, as pessoas não conseguiam ler na totalidade nem perceber as notícias caso estivessem a bloquear a publicidade. Como diz a Adweek e bem, é possivelmente um dos métodos mais criativos para combater programas como o Adblock Plus.
Estes são exemplos claros que mostram a necessidade que as empresas têm de que os utilizadores percebam o mal que os bloqueadores de anúncios lhes estão a fazer – algum dia imaginou um Financial Times a publicar apenas meio texto?
Um jogo de interesses
Há utilizadores que simplesmente não têm interesse nos anúncios. Há quem até esteja a disposto a clicar na publicidade desde que a mesma seja interessante e não intrusiva. Para alguns não faz sentido pagar subscrições anti-bloqueadores pois dizem sempre que conseguem encontrar uma alternativa gratuita na internet – a pirataria de filmes tem mostrado que assim é. Outros com o tempo acabarão por apoiar as publicações e sites que gostam seja através de subscrições, seja através de donativos.
A grande questão que tem sido levantada relativamente ao Adblock Plus, o mais conhecido e usado dos bloqueadores de anúncios, é o facto como gera dinheiro.
Em 2015 foi revelado que a empresa que gere a Adblock Plus tinham um acordo com a Google, a Microsoft e a Amazon para não bloquear os anúncios destas plataformas. Por troca a Eyeo GmbH ficava com 30% das receitas geradas por esses anúncios.
O Adblock Plus já terá sido instalado mais de 300 milhões de vezes em diferentes dispositivos
Os valores nunca foram confirmados por qualquer das partes, mas a questão de pagar para estar na whitelist parece atualmente um dado adquirido. Ou seja, quase que pode ser dito que o Adblock Plus bloqueia os anúncios daqueles que não lhe pagam – ainda que a ação da ferramenta da empresa vá muito além destes acordos revelados.
O Facebook parece não estar disposto a abrir mão das suas receitas e preferiu partir para a guerra. Olhando do ponto de vista estratégico o Facebook parece o claro vencedor pois tem mais programadores, tem mais dinheiro e simplesmente tem mais músculo para travar uma luta de longa duração.
Por isso é que esta quezília com a Eyeo GmbH é tão importante: quem ganhar pode fazer pender a balança para o lado que defende. E quem perder será obrigado a encontrar uma alternativa para sustentar o seu negócio.
Uma última questão: sabe dizer quantos anúncios viu durante a leitura deste artigo?