O ano começou a ferro e fogo para o YouTube. Uma das suas maiores estrelas, o criador Logan Paul que conta com mais de 15 milhões de subscritores, publicou a 1 de janeiro um vídeo na Floresta de Aokigahara, no Japão, também conhecida como a ‘floresta dos suícidos’. O vídeo que Logan Paul partilhou com a sua audiência – e que esteve disponível para todos os outros 1,5 mil milhões de utilizadores do Youtube que não são seus subscritores – continha imagens de uma vítima de suícido.
Consciente daquilo que tinha apanhado em câmara, Logan Paul decidiu ainda assim publicar as imagens no YouTube. A polémica não demorou a estalar: as reações negativas ao vídeo acumularam-se nas redes sociais, o vídeo foi retirado pelo próprio criador e Logan Paul acabaria por pedir desculpa, dizendo que não o tinha feito pelas visualizações, mas sim para chamar a atenção das pessoas para a questão do suícidio.
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O vídeo não esteve sequer 24 horas na plataforma, mas nesse período de tempo conseguiu amealhar 6,5 milhões de visualizações. O caso é preocupante, não só pelo conteúdo em si e pela exposição que teve, mas também pela forma como foi tratado pelo YouTube. Segundo um elemento da equipa de revisão do YouTube, o vídeo já tinha sido identificado como inapropriado e foi revisto por curadores humanos – que permitiram que continuasse na plataforma.
Como se isso já não bastasse, os algoritmos do YouTube ainda colocaram o vídeo em destaque na secção “Tendências”, o que fez com que chegasse de forma rápida a muitos utilizadores que nem sequer eram seguidores diretos de Logan Paul.
“Claro que o YouTube é completamente complacente neste tipo de coisas, no sentido em que todo o seu modelo económico, todo o seu modelo de faturação é criado fundamentalmente a partir de pessoas como o Logan Paul”, comentou Sarah T. Roberts, professora assistente na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, a propósito do caso, em entrevista à Wired.
Enquanto as atitudes de Logan Paul eram escrutinadas online, do lado do YouTube as palavras foram escassas. Numa primeira reação o YouTube disse apenas que Logan Paul deixaria de fazer parte do seu programa privilegiado de anúncios, que iria cancelar a série que estava a produzir com o norte-americano e que iria tomar medidas para tornar o YouTube num ecossistema mais amigável para os utilizadores.
Seguiram-se alguns dias de silêncio e quando o YouTube decidiu falar, esta semana, estragou tudo para milhares de criadores de conteúdos em todo o mundo. Os executivos da plataforma decidiram alterar as regras de monetização – para alguém poder ganhar dinheiro com os vídeos que publica na plataforma agora terá de ter pelo menos mil subscritores e um total de quatro mil horas de visualizações acumuladas nos últimos 12 meses. Até aqui só era necessário ter um total de 10 mil visualizações por canal.
“Não há como negar que 2017 foi um ano difícil com vários casos a afetarem a nossa comunidade e os nossos parceiros de publicidade. Interessamo-nos em proteger os nossos utilizadores, anunciantes e criadores e garantir que o YouTube não é um local para ser usado por maus atores. Ao mesmo tempo que demos passos para proteger os anunciantes de conteúdos inapropriados sabemos que precisamos de fazer mais para garantir que os seus anúncios são exibidos junto de conteúdos que refletem os seus valores. Tal como dissemos em dezembro, precisamos de uma nova abordagem para a publicidade no YouTube”, escreveu o vice-presidente de anúncios, vídeo e analítica da plataforma, Paul Muret, numa publicação no blogue da empresa.
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Resultado? Milhares de utilizadores em todo o mundo não vão ganhar dinheiro com os seus vídeos diretamente através do YouTube – e o YouTube sabe-o perfeitamente. A empresa, que faz parte do conglomerado Alphabet, disse que 99% dos criadores afetados por esta decisão não chegam a faturar 100 dólares por ano na plataforma e que 90% dos quais nem 2,5 dólares tinham feito em dezembro. O que o YouTube não disse é quantos criadores em todo o mundo vão deixar de ganhar os cem dólares que até agora conseguiam faturar.
Na prática o YouTube está a retirar os incentivos para novos criadores, que perante as exigências mínimas impostas podem nunca sequer tentar criar conteúdo para a plataforma. Então e o Logan Paul? Esse vai poder continuar a monetizar os seus vídeos, apesar de ter sido ele a fazer a asneira e de ter despoletado toda esta situação.
Sensação de déjà vu
Este parece ter sido um ponto que o YouTube ainda não percebeu – ou não quer perceber. As grandes polémicas estão na maior parte das vezes associadas aos conteúdos produzidos pelos seus maiores criadores e aqueles que cometem os verdadeiros erros não são eficazmente corrigidos. Ou como se diz na gíria, os cães ladram e a caravana passa.
Não é preciso recuar muito tempo para termos um bom exemplo desta ideia. O youtuber com o maior número de subscritores na plataforma, Pew Die Pie, viu-se envolvido numa grande polémica no início de 2017 por ter utilizado nos seus vídeos referências nazi e mensagens anti-semitas. A história seguiu mais ou menos a mesma linha: o criador recebeu críticas, pediu desculpa, envolveu-se numa troca de palavras com os meios de comunicação e o YouTube tirou-o do seu programa especial de publicidade e das suas produções próprias conhecidas como YouTube Red.
O que aconteceu a Pew Die Pie? Se alguns pensavam que a situação iria resultar num eclipse para o produtor sueco, os números mostram exatamente o contrário: em 2017 foi o sexto youtuber que mais faturou na plataforma, segundo a Forbes, tendo arrecadado 12 milhões de dólares entre receitas diretas do YouTube, receitas de parceiros e outros projetos.
Mas pelo caminho houve outro grande desastre – por causa desta situação vários anunciantes decidiram abandonar o YouTube enquanto plataforma de marketing, o que por sua vez levou o YouTube a ser muito mais cuidadoso no matching de anúncios com conteúdos. Cuidadoso de mais – nas semanas seguintes vários criadores de conteúdos viram as suas receitas baixarem porque o YouTube classificava alguns desses vídeos como ilegíveis para monetização, mesmo estando a cumprir todos os termos e boas regras da comunidade. Aqui não foram só os ‘pequenos’ afetados, celebridades como Casey Neistat também foram afetados pela onda da não-monetização.
Casey Neistat tem a audiência e a influência para poder continuar a faturar dinheiro mesmo que o YouTube bloqueie a monetização em todos os seus vídeos. Muitos outros criadores simplesmente não têm esta posição privilegiada. Conclusão? Estas polémicas acabam por não afetar no curto prazo os criadores que cometem erros, mas podem, como está a acontecer, afetar os criadores mais pequenos.
Em declarações à publicação Wired, a professora Sarah T. Roberts, da UCLA, disse que o YouTube “está a correr o risco de estragar o balanço equilibrado entre criadores de conteúdos e anunciantes”. “Para mim tudo isto aponta para um fim do mérito artístico, cultural e sociopolítico pelo qual os youtubers tanto trabalharam para estabelecer, sobretudo quando a perceção pública era de que o YouTube era um site cheio de memes de gatos”.
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No decorrer de 2017 houve mais polémicas relacionadas com o lado ofensivo, violento e pouco amigável de conteúdos que existiam no YouTube, muitos dos quais direcionados para crianças. Neste sentido a plataforma anunciou que uma equipa de dez mil moderadores humanos, em 2018, vão passar a pente fino os vídeos publicados no site, sobretudo os das suas maiores estrelas, para garantir que não há novos casos como os de Logan Paul. A mensagem que o YouTube está a passar, quer queira quer não, é que está disposto a fazer um esforço extra para proteger o seu negócio e não tanto a capacidade de dar voz a novos criadores de conteúdos.
Claro que o YouTube vai continuar a ser palco para o surgimento de novas celebridades e influenciadores digitais, a questão é que agora isso vai ser mais difícil de alcançar e pelo caminho há criadores que vão sair prejudicados. O The Guardian dá o exemplo de Erin Armstrong, uma vloguer que fala sobre o tema da transexualidade, um tema de nicho, e que publica vídeos na plataforma desde 2006 – agora não vai conseguir corresponder aos critérios mínimos de monetização, passando para segundo plano no mundo do YouTube.
A definição de requisitos mínimos já está a levar inclusive alguns criadores a pedirem aos seus subscritores para que deixem os seus vídeos a executar em segundo plano, para poderem ser elegíveis para o programa de monetização. Era mesmo isto que o YouTube pretendia quando tentou resolver o problema de Logan Paul?
Como escreveu e bem a publicação Polygon num artigo de antevisão para 2018, “é evidente que [o YouTube] tem uma batalha dura para conquistar”. “Tentar manter a plataforma o mais limpa possível, trabalhar para deixar os anunciantes satisfeitos e assegurar que a comunidade de utilizadores não se revolta são tarefas que ninguém quereria enfrentar. O YouTube precisa de criar uma plataforma segura para os seus utilizadores – tão segura quanto puder ser”.
Pelo menos na parte da comunidade o YouTube já está a falhar.