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O Bitcoin está metido em grandes sarilhos, mais não seja pelo consumo energético

O prémio de fenómeno do ano vai para o Bitcoin, ponto. Em janeiro cada unidade da criptomoeda valia o equivalente a mil dólares e à hora de publicação deste artigo estava nos 15 mil dólares. O que no ano passado ainda era uma moeda relativamente desconhecida do grande público, em 2017 está literalmente nas bocas do mundo.

Segundo a plataforma Google Trends, nunca os níveis de pesquisa estiveram tão altos para o termo ‘Bitcoin’. Nos últimos 12 meses o maior número de pesquisas tem vindo da África do Sul, Nigéria, Eslovénia, Áustria e Gana. Em Portugal o número de pesquisas também nunca foi tão alto.

Isto justifica-se acima de tudo com a questão do valor. As pessoas ouvem falar de uma moeda digital que vale 15 mil dólares por unidade e querem perceber o que é e como também podem fazer parte desta viagem num comboio de altíssima velocidade.

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Enquanto uns ficam estarrecidos pelo valor e potencial futuro do Bitcoin, outros já estão a fazer contas à pesada fatura que este fenómeno está a representar para o planeta. O Bitcoin, enquanto sistema financeiro alternativo, está a tornar-se num monstro energético, consumindo grandes quantidades de eletricidade devido ao seu conceito de proof-of-work.

O proof-of-work é um conceito criptográfico criado para trazer segurança a uma determinada tecnologia. No caso do Bitcoin o proof-of-work é o sistema que coloca toda a rede a funcionar: a informação das transações precisa de ser validada por meio de cálculos matemáticos complexos; é esta validação distribuída que garante a imutabilidade dos registos na rede de blockchain através de um consenso; pelo trabalho de validação de informação, os utilizadores que o fazem são recompensados com bitcoins.

Este processo de verificação, denominado de mineração, é a prova de trabalho que permite ao Bitcoin funcionar como funciona. A questão é que este processo de mineração está a consumir cada vez mais eletricidade, devido ao crescimento que o Bitcoin tem registado.

Para muitos a questão energética pode mesmo ser o ponto fraco do Bitcoin a médio prazo. Valerá o Bitcoin este grande esforço ambiental?

Os números

Primeiro ponto: sempre que vir um número relacionado com o consumo energético do Bitcoin, desconfie sempre desse número. Porquê? Porque é muito difícil, para não dizer impossível, calcular esse valor com exatidão. Todos os números relacionados com o consumo energético são meras estimativas e quem faz essas estimativas tem em conta diferentes parâmetros de cálculo.

Por exemplo, sabemos que atualmente estão a ser produzidos 1.800 bitcoins por dia e sabemos que a taxa de hash – a unidade para medir o poder de processamento da rede do Bitcoin – é de 12.12 exahashes por segundo. Aquilo que não sabemos é que tipologia de máquinas estão a fazer este trabalho de processamento – alguém tanto pode estar a usar um sistema ASIC dedicado, como ainda pode pensar que consegue minerar bitcoins com o seu computador de casa.

Os valores que todas as publicações têm usado como referência são os do site Digiconomist, que diz que desde o início do ano até 6 de dezembro já foram consumidos 32,36 terawhatts (TWh) de energia pela rede Bitcoin.

Bitcoin consumo energia

Quanta energia são 32,36 TWh? Se o Bitcoin fosse um país, seria a 62ª nação com maiores níveis de consumo energéticos anuais, logo atrás da Dinamarca e à frente da Sérvia. Uma única transação de Bitcoin tem associado um consumo energético semelhante ao de uma casa familiar durante um mês. Só no dia 6 de dezembro foram consumidos 8,8 GWh de energia pela rede desta criptomoeda.

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Sim, existem muitos outros sistemas que consomem grandes quantidades de energia. Se pensarmos no sistema financeiro tradicional, podemos ter em conta a produção de moedas e notas, a energia dispendida nos data centers que asseguram todo o sistema digital e podemos somar a isso ainda todos os computadores, caixas multibanco e outros equipamentos necessários para fazer funcionar o dinheiro físico tal como o conhecemos.

A questão mais preocupante relacionada com o Bitcoin é que estima-se que 58% do poder de processamento global esteja concentrado na China, onde a energia elétrica é mais barata, mas tem um custo ambiental pesado por uma parte significativa ter ainda origem no carvão.

Muito tem sido discutido sobre os números de consumo do Bitcoin. A publicação Wired UK faz um bom resumo de alguns dos principais valores que já foram apontados: por exemplo, em abril o especialista Marc Bevand escrevia que segundo os seus cálculos o consumo diário energético associado à mineração de bitcoins estava algures entre os 470 MWh e os 540 MWh. Já o investigador Harald Vranken dizia que no início de 2017 o consumo provavelmente variava entre 100MWh e 500MWh.

As estimativas são tão díspares que o repórter da Wired UK colocou a questão da seguinte forma: “O verdadeiro consumo provavelmente está entre os 100 MWh e os 3.4 GWh. Isto é como adivinhar que a idade de uma pessoa está entre os 15 e os 65 anos, admitindo que existe uma margem de erro de dez anos”.

As comparações entre diferentes estimativas não são justas, não só pela diferença nos modelos usados para esse cálculo, mas também pela constante variação do valor do Bitcoin. Uma previsão feita em janeiro é completamente desfasada da previsão feita em abril e ambas são desfasadas das previsões feitas em dezembro.

O aumento da dificuldade

Segundo o site Digiconomist, cada transação de Bitcoin neste momento equivale a um gasto de 250 KWh e só ontem foram feitas 443 mil transações. Olhando apenas para estes números e fazendo uma extrapolação, se a rede de Bitcoin algum dia fizesse tantas transações quanto um sistema como a Visa, que faz 150 milhões por dia, então o Bitcoin provavelmente seria dos sistemas que mais energia consumiria à face da Terra.

Mas as contas não podem ser feitas desta maneira. Como explica a publicação Ars Technica, é até expectável que no futuro o consumo energético associado ao Bitcoin venha a diminuir.

À medida que o preço do Bitcoin continua a subir, não é expectável que os esforços de mineração abrandem – enquanto for lucrativo, ainda que pelas margens mínimas, haverá sempre quem continue a apostar na mineração. É por isso de esperar que o consumo energético esteja sempre associado ao valor do próprio Bitcoin – se subir para os 30 mil dólares, então provavelmente o consumo energético também vai duplicar.

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Depois é preciso ter em conta que a rede do Bitcoin foi projetada para ajustar a sua dificuldade por forma a garantir que um novo bloco de informação é produzido a cada 10 minutos, independentemente do poder de computação em uso nesse período. Aquilo que acontece é que com o passar dos anos a recompensa por cada bloco produzido vai diminuindo para metade, sensivelmente a cada quatro anos.

Em 2009 por cada bloco de informação validado o utilizador recebia 50 bitcoins. Em 2012 esse valor passou para 25, em 2016 para 12,5 bitcoins e estima-se que em 2020 passe a ser de 6,25 bitcoins por bloco.

Seguindo a lógica da produção associada ao lucro, até 2020 todos os mineiros de todo o mundo terão de fazer atualizações ao seu hardware para garantir que por essa altura também o consumo energético cai para metade – se tal não acontecer, então passarão a gastar mais em eletricidade do que aquilo que vão receber de recompensa pela sua mineração.

Este conceito é válido para cada período de quatro anos – ou seja, em 2028 o consumo energético associado à mineração de bitcoins deverá ter caído 300%, pois a recompensa por bloco será três vezes mais pequena que a atual.

Considerando que pelo caminho o valor do Bitcoin poderá estabilizar, então a ideia de que um dia o Bitcoin vai consumir sozinho mais energia do que qualquer outro sistema no planeta cai por terra.

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Isto não significa no entanto que não seja uma preocupação – o Bitcoin vai ter sempre um alto consumo energético associado e, como todos os grandes consumos energéticos, será uma preocupação em termos ambientais. Por isso é que o Bitcoin pode ficar metido em grandes sarilhos – basta a China fazer grandes alterações à sua política energética e poderemos ter um efeito negativo na forma como o Bitcoin é gerido. E se a regulação do Bitcoin não vier pela moeda em si, mas pelo impacto que está a ter a nível ambiental?

Até onde vai chegar o consumo energético?

É uma pergunta para a qual não existe resposta. Em primeiro lugar porque ninguém sabe qual será o valor do Bitcoin em 2020 por exemplo: podem ser os mesmos 15 mil dólares de hoje, podem ser 100 mil dólares, podem ser mil dólares – quem sabe?

Em segundo lugar porque vamos assistir a uma evolução tecnológica relativamente aos equipamentos de mineração – serão mais potentes e ao mesmo tempo mais eficientes, pelo menos tem sido esta a tendência tecnológica dos últimos 30 anos. A questão é que ninguém sabe ao certo quanta mais potência vamos ganhar nos próximos anos e quanto consumo energético vamos conseguir reduzir.

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Em terceiro lugar porque ninguém sabe ao certo como será gerida a própria rede de Bitcoin. Se houvesse uma alteração no blockchain que permitisse validar mais transações sem que isso tivesse um impacto ao nível do processamento e do consumo, então seria a própria tecnologia do Bitcoin que estaria a ficar mais eficiente e não o hardware.

Existem outros cenários mais remotos, como deixar de lado o conceito de proof-of-work e investir em conceitos de validação de informação menos exigentes em termos computacionais, o que por sua vez seria menos exigente em termos de consumo energético e ambiental.

Justamente por não ser possível prever o que vai acontecer a seguir é que existem tantas vozes preocupadas com o consumo energético associado ao Bitcoin. Em teoria o Bitcoin pode até tornar-se mais amigável, mas e se depois a prática não corresponde à teoria? É também pela importância da questão energética que estão a surgir novos perigos – qualquer dispositivo que esteja ligado à internet, mesmo que seja um frigorífico, pode estar a usar a sua eletricidade para minerar bitcoins para um pirata informático.

Um elemento pelo menos parece certo: no curto prazo os elevados consumos energéticos não vão desaparecer e este é mais um valor a ter em conta na equação matemática ambiental que preocupa cada vez mais.

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