Não é o facto de ser um jogo português que torna Greedy Guns numa experiência interessante. Claro que o facto de ser o produto de uma pequena empresa de videojogos portuguesa, a Tio Atum, acrescenta aqui uns pozinhos extra a favor desta produção. O seu grande valor está na forma como foi desenhado, pensado e estruturado, transformando Greedy Guns num jogo de qualidade acima da média.
Sim, Greedy Guns é um jogo de ação frenética e que nos consegue trazer momentos em que questionamos a nossa capacidade de coordenação motora, mas foi o seu lado inteligente aquele que mais nos cativou.
Siga o Future Behind: Facebook | Twitter | Instagram
Sabendo que se define como uma mistura entre Metal Slug, Metroid e Castlevania, seria importante não só a interpretação que o jogo faria destes conceitos, como também a sua forma de execução. É aqui que o trabalho da Tio Atum brilha: respeita bem o legado das suas inspirações e consegue ao mesmo tempo entregar uma nova aventura, vibrante e que vai deixá-lo agarrado ao computador durante várias horas.
Chuva de balas
O jogo começa com a nossa personagem – Kate ou Bob – a sair de uma nave espacial, acabada de aterrar num planeta alienígena desconhecido. Rapidamente ficamos a saber que estamos ali como mercenários a trabalhar para a Holo Corp, uma empresa especializada na recolha de ADN de diferentes criaturas. O que eles fazem com essa ADN não é da nossa conta, em bom rigor estamos ali apenas para cumprir com os objetivos que nos são definidos pel’A Mão.
A Mão é em certa medida o narrador e o guia nesta nossa aventura. Esta personagem mantém alguns diálogos connosco ao longo do jogo e é ela quem define os nossos grandes objetivos.
A história não é o prato forte de Greedy Guns. Se vem à procura de um enredo estimulante e de personagens com grande dimensão psicológica então este é o planeta errado. O jogo desenvolvido pela Tio Atum é um action shooter no mais verdadeiro sentido da palavra – temos de nos mover de A a B e ‘limpar’ tudo o que encontramos pelo caminho.
Rapidamente somos entregues ao mundo selvagem de Greedy Guns. O jogo até começa num ritmo relativamente lento, mas quando damos por nós já estamos a aproveitar ao máximo a capacidade que a nossa personagem tem de disparar em 360º, querendo isto dizer que é possível enviar tiros para qualquer direção.
Greedy Guns é um jogo intenso e é um jogo difícil. Não é um jogo impossível de ultrapassar, mas vai requerer que a pessoa se sinta à vontade com um comando de jogo e que seja capaz de explorar as suas capacidades na totalidade. O facto de ser um jogo dual stick – com um botão movemos a personagem, com o outro orientamos a mira – pode representar um desafio para os mais inexperientes, mas vai fazer sentir em casa os amantes dos títulos de ação.
Além da constante chuva de inimigos – e da correspondente chuva de tiros para afastá-los -, este é um jogo que também apresenta alguns rasgos interessantes do género de plataformas. Muitas vezes vai estar a cair ao longo de paredes gigantes só para tentar perceber se por acaso não há ali alguma passagem secreta que dê acesso a um item especial.
Neste aspeto o desenho dos níveis está muito bem conseguido. As diferentes áreas de jogo são bastante generosas em tamanho e estão muito bem interligadas entre si. Este foi aliás um dos aspetos que mais gostamos em Greedy Guns, o facto de haver um entrosamento entre estas diferentes áreas e que está associada ao progresso que fazemos no jogo.
Por exemplo: vai encontrar áreas onde existem dois caminhos possíveis para escolher, mas é obrigado a seguir apenas um pois ainda não tem a arma ou a habilidade que permite seguir o outro caminho. Isto faz com que o jogo tenha um sentido de ‘redescoberta’ que está bem conseguido e que é uma imagem de marca dos jogos de antigamente.
Além da evolução linear da aventura – vão surgindo diferentes inimigos, inimigos esses que são cada vez mais fortes – os jogadores podem ter como missões paralelas encontrar todas as relíquias que permitem aumentar o nível de vida, desbloquear todas as armas e conquistar diferentes habilidades. Isto permite que a nossa personagem chegue ao final do jogo muito diferente daquilo que era no início, dando-nos uma sensação de progresso positiva e tornando o jogo também mais completo em termos de desafios.
Um elemento que caracteriza Greedy Guns e que ainda não decidimos se é positivo ou não: em jogos como Metal Slug, parte da dinâmica do jogo estava também nas armas que íamos encontrando, mas que tinham um limite de balas disponíveis; em Greedy Guns podemos gastar os tiros que quisermos, pois todas as armas têm munições infinitas.
É uma decisão que compreendemos tendo em conta o perfil do jogo, mas que nos deixa com aquela dúvida na cabeça se tudo teria sido mais interessante se tivéssemos de fazer uma melhor gestão das nossas armas. Relativamente a este ponto, há um número razoável de armas disponíveis e as suas habilidades são diversificadas, mas teria sido mais interessante ter um arsenal mais vasto à nossa mercê.
Aliás, é muito provável que chegue ao final do jogo com milhares de moedas coletadas ao longo dos níveis, não tendo depois algo nas quais possa gastá-las – poderia ser no desbloqueio de novas armas, de novas habilidades, fatos ou até personagens, fica a sugestão.
Uma palavra final para os bosses. A Tio Atum conseguiu também aqui captar o espírito dos jogos mais antigos, dando-nos lutas finais com um grau de dificuldade acentuado e que nos obriga a morrer várias vezes para definirmos a melhor estratégia para cada um deles.
Em alguns casos e nas primeiras tentativas até parece que os bosses foram mal desenhados, por não haver quase fuga possível à chuva de tiros dos quais somos vítimas. Mas bem analisado o adversário, lá descobrimos de que forma o podemos derrotar sem grandes danos, se formos metódicos na nossa ação.
O tempo que leva a terminar Greedy Guns é uma experiência que vai variar de jogador para jogador: no caso do FUTURE BEHIND precisámos de dez horas para completar o jogo, isto tendo em conta um formato de jogabilidade que privilegia a exploração de níveis e que nunca nega o contacto com os adversários, mesmo em zonas pelas quais já tenhamos passado.
Identidade própria
Em termos de aspeto Greedy Guns é um jogo que privilegia a animação acima de tudo o resto. Toda a arte do jogo é em 2D e o desenho, tanto das personagens como dos níveis, tem um traço bastante ‘cartoonesco’. Estes elementos ajudam a conferir a Greedy Guns um estilo muito próprio e caso o jogo se revele um sucesso comercial, então há aqui traços únicos de identidade que permitem à Tio Atum explorar um Greedy Guns 2.
Gostamos do design dos bosses – grandes, bonitos, magnânimos -, mas não tanto do aspeto mais generalista de alguns inimigos menores que se atravessaram no nosso caminho.
A banda sonora do jogo é boa e condizente, isto é, não é excelente ao nível de ser memorável, mas também não é um elemento que inferioriza o jogo. O desenho dos sons está bem conseguido e nota-se que está bem integrado com os restantes pontos do título.
Um aspeto que surpreendeu neste trabalho foi o seu nível de polimento. É verdade que esteve quatro anos em desenvolvimento, mas também é verdade que este é um trabalho de apenas três pessoas. Não encontrámos erros grosseiros no jogo e perante o nível de elementos que por vezes surgem no ecrã em simultâneo – às dezenas, tendo em conta animações de tiros e inimigos -, podemos considerar a fluidez do jogo como muito boa.
Se é raro ver videojogos portugueses a serem publicados numa escala global, é ainda mais raro vê-los com este nível de empenho e qualidade. Há outros bons exemplos – Syndrome, Quest of Dungeons, Talewind – e neste aspeto Greedy Guns não desiludiu.
Nem tudo é perfeito no trabalho da Tio Atum. Devia haver, por exemplo, uma opção de escolha relativamente ao nível de dificuldade. Percebemos que a dificuldade faça justamente parte da identidade deste trabalho, mas o estúdio também precisa de perceber que provavelmente está a fechar este jogo a potenciais clientes. O facto de ser um jogo focado num nicho – o chamado Metroidvania – tem as suas vantagens, mas não seria de todo descabido ter diferentes níveis de dificuldade.
Lamentamos ainda o facto de Greedy Guns não permitir que seja gravado mais do que um progresso do jogo. Para o caso de chegarmos ao fim e de querermos começar uma nova aventura, desta vez com outra personagem, então somos obrigados a deitar fora todas as nossas horas de jogo. Este é um elemento que a Tio Atum pode tentar corrigir com uma atualização e que pelo menos do nosso lado seria muito bem recebida.
Isto pode ser especialmente difícil de gerir numa casa onde dois irmãos, por exemplo, querem experimentar o jogo, mas não querem partilhar o seu progresso. O estúdio tenta resolver este cenário com a possibilidade de partilhar a jogabilidade com uma outra pessoa, em modo local.
O modo co-op de Greedy Guns é tão ou mais divertido do que o modo a solo, pelo facto de podermos partilhar a destruição massiva e a angústia das mortes permanentes com outra pessoa. Uma das boas memórias que muitos guardarão de jogos como Metal Slug é o facto de terem partilhado horas de jogo com os seus irmãos, pelo que o modo co-op só pode ser visto como mais um aspeto positivo em Greedy Guns.
Considerações finais
Greedy Guns é um jogo cheio de vida. Aborrecimento é uma palavra que não conjuga com o trabalho da Tio Atum e isso quer dizer muito.
O nível de intensidade elevado do jogo por vezes pode parecer excessivo, mas em certa medida é isso que também nos motiva a querer pegar rapidamente no comando quando estamos muito tempo afastados de Greedy Guns. Talvez este elogio não seja aquele que a Tio Atum espera, mas cá vai – este jogo é como um pacote de batatas fritas: podemos devorá-lo de rajada e depois sentir remorsos por isso ou podemos desvastá-lo em sessões mais pequenas, mas igualmente intensas e saborosas.
Sobretudo pelo desenho dos níveis e pela forma como o progresso da aventura foi projetado, Greedy Guns vai ficar-nos na memória por conseguir garantir num formato moderno vários elementos de jogos que marcaram as gerações passadas de videojogos. Gostamos desta inteligência subtil, não muito rebuscada e bem delineada.
Muitos lembrar-se-ão deste jogo no futuro provavelmente pelo seu nível de espetáculo visual ou pelo facto de ter sido o primeiro jogo português com uma campanha bem sucedida no Kickstarter. Nós preferimos fazê-lo pela coesão que apresenta entre as diferentes etapas do jogo. A fórmula usada por Greedy Guns não é nova, mas pelo menos é fresca – e isto é algo do qual nem todos os estúdios de videojogos se podem gabar.
Greedy Guns está disponível desde o dia 1 de setembro para Windows, Mac e Linux. O jogo custa 15 euros.
N.R: Greedy Guns foi analisado com uma cópia do jogo disponibilizada pela Tio Atum antes do lançamento final do título.