Já passavam das seis da tarde quando vinha de carro para Lisboa na A5. Passei por um dos painéis de informação variável que dizia que faltavam apenas seis minutos para chegar até ao viaduto Duarte Pacheco, uma das principais vias de acesso da capital.
Tendo em conta o fluxo automóvel que existia naquele dia e sobretudo tendo em consideração as experiências de outros dias de condução no mesmo local e à mesma hora, seis minutos para chegar ao viaduto Duarte Pacheco parecia demasiado bom para ser verdade.
“Aposto que não vou demorar só isto”.
Às 18h50 lá estava eu a passar pelo viaduto. Surpresa das surpresas? Tinham passado exatamente seis minutos desde que me tinha mostrado descrente no pórtico de informação variável da Brisa. Acontece que eu estava apenas a ser mais um condutor resmungão, enquanto a Brisa tinha a tecnologia do seu lado. E nestes ‘duelos’ de previsões a tecnologia leva sempre vantagem.
Atualmente a Brisa está a mostrar os tempos estimados de percurso nos painéis de informação variável que existem na A5 e também ao quilómetro 41 da A2. Estes valores são calculados pelo serviço de navegação Waze, uma plataforma da Google, que a Brisa agora integra nos seus sistemas informáticos.
Em junho de 2013 a tecnológica norte-americana anunciava ao mundo a aquisição da Waze por 1,1 mil milhões de dólares. A então startup israelita aguçou o apetite de várias grandes empresas devido à simplicidade e eficácia do seu serviço: uma plataforma colaborativa através da qual os condutores podem assinalar ocorrências que existem na estrada, sejam obras, uma operação stop, um acidente ou apenas uma grande fila de trânsito.
Relatos da época dizem que tanto a Apple como o Facebook também queriam deitar a mão à Waze e não ficaram contentes com o desfecho final do negócio. Afinal, a Google já era um gigante na área dos mapas – Google Maps – e o serviço da Waze só iria contribuir ainda mais para a sua afirmação.
Sim, as informações do Waze passaram a ser integradas no Google Maps ao longo do tempo, mas o serviço continuou a viver e a desenvolver-se de forma independente. Questionámos a Waze sobre o número de utilizadores que existem em Portugal, mas a empresa não respondeu.
No mercado português a aplicação de navegação ocupa a 40ª posição no ranking das aplicações mais populares do sistema operativo Android e é a 23ª mais popular no iOS – indicadores de que em Portugal provavelmente terá um número interessante de utilizadores.
Mas como é que surge a Brisa, empresa portuguesa de infraestruturas rodoviárias fundada em 1972, na história da Waze?
“A parceria foi uma coisa curiosa. Nós vimos uma notícia sobre um projeto da Waze na Flórida e pensamos ‘E se fizéssemos isto aqui em Portugal?’. Tentámos, arriscámos. Enviámos um email para a Waze a apresentar-nos. (…) A nossa proposta era ‘Waze, gostávamos de passar a informação de trânsito que disponibilizamos através do nosso website e aplicações também para dentro da vossa aplicação de navegação’”, conta o responsável pela estratégia digital da Brisa, Nuno Sequeira, em entrevista ao FUTURE BEHIND.
A resposta não tardou em chegar. No final de 2015 a Brisa passava a fazer parte do Connected Citizens Program da Waze. Como nos explicaria mais tarde o porta-voz da empresa, o acordo estabelecido e que ainda está em vigor “é service for data, partilha de dados pura e dura”. Significa isto que não há contratação de serviços ou investimento financeiro envolvido.
Simplesmente a Waze dá à Brisa acesso aos seus dados e a Brisa partilha com a Waze as informações privilegiadas que tem sobre as estradas portuguesas. A situação representa um caso de win-win-win, sendo que o terceiro elemento a ganhar com esta parceria são todos os utilizadores das infraestruturas geridas pela Brisa.
Nuno Sequeira partilhou depois um exemplo concreto do painel de informação variável que existe na A2. “As observações que temos feito é que a partir do momento em que ligamos o painel, a informação que lá está é de facto útil para o cliente. Começámos a ver uma migração da Ponte 25 de Abril para a Ponte Vasco da Gama. Se eu digo ‘Ponte 25 de abril – 10 minutos’ e ‘Ponte Vasco da Gama – 5 minutos’, começamos a ver as pessoas todas a transferirem para a Ponte Vasco da Gama. Quando desligamos o painel volta tudo para o ponto inicial”.
Na A5 a informação sobre o tempo de viagem está agora disponível das 6:00H às 22:00H, exceto em casos de força maior como avisos de acidentes
“O feedback que temos tido é bastante positivo e os tempos de percurso que ali estão serão tão mais fidedignos quantos mais utilizadores Waze existirem. Mas os desvios que nós temos notado em termos de observação face à realidade são de segundos”.
A mostra desta informação sobre o tempo de viagem está ainda em fase de testes e é objetivo da Brisa alargar o conceito a mais estradas do país onde existem painéis de informação variável. A próxima etapa de expansão deverá acontecer durante o período do regresso às aulas, como adiantou Nuno Sequeira ao FUTURE BEHIND.
“O nosso objetivo agora é disseminar isto não só na A5, mas colocar nos acessos às cidades de Lisboa e do Porto. Acessos Sul da A2, acessos Norte da A1 e depois a A3 e a A4 lá em cima na cidade do Porto. Depois ligar sempre que for necessário ou em ocasiões especiais como tivemos no final da Taça de Portugal no Estádio Nacional ou na visita do Papa [a Fátima], também tivemos a informação dos tempos de percurso na A1”.
O caso de Fátima acaba por ser curioso, pois graças à informação disponibilizada pela Brisa à Waze, a cidade dos pastorinhos ficou ‘isolada’ na aplicação de navegação da Google – foi dada informação sobre os acessos que estavam cortados, evitando assim que mais pessoas se dirigissem para aquelas estradas.
Se do seu lado a Waze tem milhares de utilizadores a partilharem informação em tempo real, a Brisa dispõe de um centro de coordenação operacional, em que os operadores conseguem ver o que se está a passar nas autoestradas, tem informações originadas nas portagens e até pelas carrinhas de assistência rodoviária. “Temos aqui um conjunto de antenas que nos permite saber sempre e a todo o momento aquilo que se está a passar na autoestrada”, disse o especialista em canais digitais.
Neste momento a Brisa já está a trabalhar e a testar a evolução deste conceito de informação para os condutores. A empresa quer ter os painéis com dados alternados: ora dá informação de um acidente, ora consegue passar informação do tempo de percurso. “Mais uma vez: parece fácil, mas em termos técnicos existem desafios para ultrapassar, seja através da própria programação, seja das próprias limitações físicas dos painéis de mensagem variável”.
Há também planos para criar um serviço de informação prospetiva – que tem em conta os dados de viagens anteriores para aconselhar viagens futuras – e integrar na aplicação um sistema que permite aos utilizadores ligarem diretamente para o centro de operações da empresa.
Além disso a Brisa espera conseguir até ao final do ano integrar as informações de incidência da Waze dentro da sua própria aplicação. Isto acontece não só porque há pessoas que não utilizam a aplicação do Waze e sim a da Brisa, mas porque também há de facto cada vez mais pessoas a usar a aplicação da Brisa.
A Brisa das autoestradas? Aos poucos essa imagem da empresa está a desaparecer. A Brisa quer ser o centro da mobilidade dos portugueses e vai usar toda a tecnologia que estiver ao seu alcance para consegui-lo.
A metamorfose
Internamente a Brisa começou a pensar a sua transformação enquanto operador de mobilidade há três anos. “As autoestradas hoje são apenas um dos vectores de mobilidade dos nossos clientes. Eles querem ir do ponto A ao ponto B e querem saber qual a forma mais eficiente de lá chegar. A Brisa teve que adaptar-se a essa nova realidade”, começou por explicar Nuno Sequeira.
Não é por isso de estranhar que a Brisa tem agora um grande número de serviços: lançou recentemente uma plataforma de car sharing em parceria com duas marcas automóveis; tem um serviço para estacionamentos em superfície; tem um serviço para parques de estacionamento; e tem um serviço para pagamento de transportes públicos, um projeto que já destacámos aqui no FUTURE BEHIND.
Esta nova realidade “tem contornos políticos, tem contornos sociais, tem contornos ambientais também”, como salienta o porta-voz da empresa. “De facto queremos ser um gestor de mobilidade, não queremos ser um gestor de congestionamentos como muitas vezes costumamos dizer”.
“Porque não capitalizar o conhecimento que temos de gestão de infraestruturas e de gestão de operações e transportar isso para as novas formas de mobilidade? É isso que a Brisa tem estado a fazer através da marca Via Verde”, salienta Nuno Sequeira para depois acrescentar: “Vamos continuar a alargar este posicionamento”.
Mais de 25 anos depois do seu lançamento, a Via Verde enquanto tecnologia continua a ser um dos melhores exemplos de inovação feita em Portugal. Mas passado todo este tempo, as cabeças dentro da Brisa já não pensam em quilómetros de autoestrada, começam sim a pensar cada vez mais em uns e zeros.
É caso para dizer que agora as novas autoestradas da Brisa são digitais e permitem que a empresa viaje ao lado de cada um dos seus utilizadores.