É preciso coragem para uma marca de smartphones vir ao Mobile World Congress sem ter um novo modelo para anunciar. Se já é difícil conquistar atenção no meio dos anúncios dos ‘gigantes’ – LG, Sony, BlackBerry, Alcatel, Nokia -, conquistar a atenção sem um produto novo então perspetiva-se como uma tarefa quase hercúlea.
Mas eis que o interesse pela Fairphone foi maior do que aquele que o próprio diretor executivo da empresa, Bas van Abel, esperava. A Fairphone teve de trocar de sala para conseguir acomodar mais pessoas que quiseram ouvir sobre o ‘smartphone ético’ – não eram às centenas, mas perto de 30 repórteres e bloguers numa sessão à porta fechada.
“Ainda que não tenhamos nada novo para mostrar, temos uma história interessante para contar”, começou por dizer o CEO da Fairphone.
O entusiasmo pelo anúncio de novos dispositivos faz com que as pessoas percam um pouco a noção do que está associado à produção de um smartphone, considera Bas van Abel. “De onde vêm? De que materiais são feitos? Tomamos estes produtos como garantidos”, alertou.
“Quando ando aqui à volta todos falam de tendências e de qual será a próxima big thing. Para mim, a maior mega tendência é a sustentabilidade. Se olharmos para onde estamos, como indústria, precisamos de trabalhar nisto”.
Bas van Abel passou depois às imagens. Primeiro mostrou fotografias da exploração desumana que existe na extração de materiais que são necessários à produção dos smartphones; depois mostrou imagens da exploração que existe em fábricas chinesas na produção dos smartphones; as últimas fotos mostravam milhares e milhares de dispositivos móveis amontoados ao ar livre no Congo, exemplificando os problemas associados ao lixo eletrónico.
“Claro que não queremos isto. Mas como podemos mudar isto? Como podemos levar isto para o consumidor?”, questionou o empreendedor holandês.
Na sua opinião a resposta está no Fairphone e no seu conceito modular. Quem acompanha a empresa desde o seu começo já pode ter reparado que houve uma maturação na mensagem da tecnológica – se ao início a proteção ambiental e os materiais oriundos de zonas livres de conflito eram a ‘manchete’ da empresa, agora é o facto do seu equipamento ser facilmente reparável.
Tão fácil que o diretor tecnológico da empresa, Olivier Hebert, desmontou o Fairphone 2 à frente de todos em apenas 30 segundos. E quando dizemos desmontar, foi desmontar ao ponto de ser possível trocar o ecrã naquele momento. Isto acontece porque o Fairphone está pensado em módulos que podem ser facilmente substituídos.
O Fairphone 2 esteve em destaque no Mobile World Congress do ano passado. Ao fim de quase 15 meses de comercialização, o equipamento já vendeu perto de 65 mil unidades, o que coloca as vendas totais da Fairphone em 130 mil unidades, adiantou o CEO.
Os valores são pequenos em comparação com as vendas de outras marcas, mas são valores que mostram que há quem valorize a ética que existe em torno da produção de um smartphone. Por exemplo, o município de Barcelona vai dar aos seus funcionários a possibilidade de escolherem o Fairphone 2 como seu smartphone de serviço.
A Fairphone já vendeu 70 mil peças suplentes aos utilizadores dos seus smartphones
Mas em que sentido a modularidade do Fairphone 2 contribui para uma maior responsabilidade ecológica e social?
Ao ser facilmente desmontável, o equipamento pode ser reparado com facilidade. Um estudo interno da Fairphone mostra que 95% dos seus utilizadores que já recorreram a uma reparação, fizeram-na em casa e com sucesso. Isto permite que as pessoas mantenham os smartphones durante mais tempo, o que por sua vez diminui a necessidade de produção de mais dispositivos.
Ao serem produzidos menos dispositivos há uma redução na necessidade de extração de matérias-primas e uma menor necessidade de produção industrial. No final das contas, haverá também menos smartphones a contribuir para o aumento do lixo eletrónico.
O facto de o Fairphone 2 ser modular também permite um melhor reaproveitamento das suas partes quando chega ao fim de vida, pois permite que o dispositivo seja sujeito a diferentes processos de extração – enquanto um smartphone mais tradicional, pelo facto de ser muito compacto, acaba por ditar a destruição de muitos dos materiais que nele estão incluídos.
Foi também por isso que a Fairphone não apresentou um smartphone novo: o modelo do ano passado é suposto durar vários anos nas mãos dos utilizadores, pelo que a empresa não tem pressa, nem necessidade, em colocar novos equipamentos no mercado numa cadência anual.
“O Mobile World Congress permite-nos criar uma maior consciencialização, mas também é uma oportunidade para exigirmos aos parceiros equipamentos eletrónicos mais justos”, salientou Bas van Abel.
O trabalho que a Fairphone tem feito ajuda a baixar o impacto ambiental na produção de smartphones. Mas os valores precisam de ganhar escala para que o impacto seja mais considerável – ou seja, mais empresas precisam de seguir estratégias igualmente éticas, ecológicas e socialmente responsáveis.
Ainda que não haja propriamente um modelo novo, a Fairphone tem no entanto algumas novidades para partilhar com a sua comunidade. Este ano vai ser lançado um novo módulo de câmara fotográfica para o smartphone que poderá ser trocado com facilidade. “É a primeira vez que uma funcionalidade central do smartphone é atualizada depois de ter chegado ao mercado”, defendeu o CEO da Fairphone.
Está ainda prometida a chegada do Android 6.0 ‘Marshmallow’ para o Fairphone 2 – aqui nota-se um atraso visto que a versão mais recente do Android é a 7.0 ‘Nougat’ – e uma melhor integração com o sistema operativo alternativo Sailfish OS.
Portanto sim, a Fairphone veio ao Mobile World Congress sem um novo smartphone e isso não é propriamente negativo – antes pelo contrário.